Voz(es) deste Tempo

1

2

Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer;

É um não querer mais que bem querer;
É solitário andar por entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É cuidar que se ganha em se perder;

É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata lealdade.

Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?

(Luis de Camões)

3

É apenas o começo. Só depois dói, e se lhe dá nome.

Às vezes chamam-lhe paixão. Que pode acontecer da maneira mais simples: umas gotas de chuva no cabelo,
Aproximas a mão, os dedos desatam a arder inesperadamente, recuas de medo.
Aqueles cabelos, as suas gotas de água são o começo, apenas o começo.
Antes do fim terás de pegar no fogo e fazeres do inverno

a mais ardente das estações.

(Eugénio de Andrade)

4

O corpo não espera. Não. Por nós
ou pelo amor. Este pousar de mãos,
tão reticente e que interroga a sós
a tépida secura acetinada,
a que palpita por adivinhada
em solitários movimentos vãos;
este pousar em que não estamos nós,
mas uma sêde, uma memória, tudo
o que sabemos de tocar desnudo o corpo que não espera; este pousar/que não conhece, nada vê, nem nada/ousa temer no seu temor agudo…

Tem tanta pressa o corpo! E já passou
quando um de nós ou quando o amor chegou.

(Jorge de Sena)

5

Digam que foi mentira, que não sou ninguém,
que atravesso apenas ruas da cidade abandonada fechada como boca onde não encontro nada:/não encontro respostas para tudo o que pergunto nem /na verdade pergunto coisas por aí além
Eu não vivi ali em tempo algum

(Ruy Belo)

9

Que nenhuma estrela queime o teu perfil
Que nenhum deus se lembre do teu nome
Que nem o vento passe onde tu passas.

Para ti criarei um dia puro
Livre como o vento e repetido
Como o florir das ondas ordenadas.

(Sophia de Melo Breyner Andresen)

7

Quando eu morrer murmura esta canção
que escrevo para ti. Quando eu morrer
fica junto de mim, não queiras ver
as aves pardas do anoitecer
a revoar na minha solidão.

quando eu morrer segura a minha mão,
põe os olhos nos meus se puder ser,
se inda/neles a luz esmorecer,
e diz do nosso amor como se não

tivesse de acabar, sempre a doer,
sempre a doer de tanta perfeição
que ao deixar de bater-me o coração
fique por nós o teu inda a bater,
quando eu morrer segura a minha mão.

(Vasco Graça Moura)

8

Poemas ditos por Fernando Vaz Garcia

Olhares (e ver)