Falo-vos dos murmúrios que chegam numa noite de Inverno, quando o frio apressa os passos, ou a chuva nos encharca, mesmo quando não temos destino certo, ou nos flocos de neve, como também no deserto por fora e por dentro de nós. Mas falo também de mar, barcos, praias, gaivotas, árvores, gente feliz. E mostro jovens lidando ondas, em cima de pranchas, em sortes de verónicas, conseguindo do mar faenas dignas dum Manolete; e outros que, talvez nunca tendo ouvido falar do Padre Bartolomeu de Gusmão e das suas experiências em balões ou aquilo que Saramago fantasiou no Memorial do Convento, quando Baltazar e Blimunda se elevaram na passarola concebida por aquele padre “Voador” e sobrevoaram os operários que construíam o Convento de Mafra ficaram atónitos perante tal prodígio, julgando ser o Espírito Santo que por eles passarara, estes jovens de hoje conseguem, também eles, o milagre de voar, não como as aves, mas com outras asas, cores vivas recortadas no horizonte, cumprindo esse sonho que sempre acompanhou o homem – voar, exceder-se, ir além. Avançar no silêncio e prescrutá-lo, senti-lo como pisando algodão, penetrar no Sonho. Como é o sussurro de uma desilusão? Os sorrisos, as lágrimas, os seixos, as conchas, têm som? Olhar e ver. E ouvir. É desses murmúrios que falo, pela escrita de grandes poetas.
FM
Nesta curva tão terna e lancinante / que vai ser, que já é o teu desaparecimento, digo-te adeus / e como um adolescente / tropeço de ternura / por ti. (Alexandre O’Neill)
Louvar/ após o longo apagamento do crepúsculo/ o que se tinha recolhido no silêncio/ e é o ar que ascende / com a respiração das árvores (Antonio Ramos Rosa)
Um dia, gastos, voltaremos /A viver livres como os animais /E mesmo tão cansados floriremos /Irmãos vivos do mar e dos pinhais. //O vento levará os mil cansaços /Dos gestos agitados irreais /E há-de voltar aos nosso membros lassos /A leve rapidez dos animais. //Só então poderemos caminhar /Através do mistério que se embala /No verde dos pinhais na voz do mar /E em nós germinará a sua fala. (Sofia de Melo Breyner Andresen)
Yo no hablo de venganzas ni perdones, el olvido es la única venganza y el único perdón.(Jorge Luis Borges)
Ouça o poema
Já não necessito de ti /Tenho a companhia nocturna dos animais e a peste / Tenho o grão doente das cidades erguidas no princípio / De outras galáxias, e o remorso…..// …..um dia pressenti a música estelar das pedras / abandonei-me ao silencio….. /é lentíssimo este amor progredindo com o bater do coração / não, não preciso mais de mim / possuo a doença dos espaços incomensuráveis /e os secretos poços dos nómadas //ascendo ao conhecimento pleno do meu deserto /deixei de estar disponível, perdoa-me / se cultivo regularmente a saudade do meu próprio corpo. (Al Berto)
Faz-me o favor de não dizer absolutamente nada! / Supor o que dirá /Tua boca velada /É ouvir-te já. //É ouvir-te melhor /Do que o dirias. /O que és nao vem à flor /Das caras e dos dias. //Tu és melhor – muito melhor! /Do que tu. Não digas nada. Sê /Alma do corpo nu /Que do espelho se vê. (Mario Cesariny)
É triste ir pela vida como quem / regressa e entrar humildemente por engano pela morte dentro (Ruy Belo)
Digam que foi mentira, que não sou ninguém, /que atravesso apenas ruas da cidade abandonada /fechada como boca onde não encontro nada:/ não encontro respostas para tudo o que pergunto nem /na verdade pergunto coisas por aí além /Eu não vivi ali em tempo algum (Ruy Belo)
Há um frio e um vácuo no ar. /Stá sobre tudo a pairar, / Há um frio e um vácuo no ar. //Luar triste de antemanhã /De outro dia e sua vã /Sperança e inútil afã. //É como a morte de alguém /Que era tudo que a alma tem /E que não era ninguém. (Fernando Pessoa)
Este céu passará e então /teu riso descerá dos montes pelos rios /até desaguar no nosso coração (Ruy Belo)
Creio que foi o sorriso, /o sorriso foi quem abriu a porta. /Era um sorriso com muita luz /lá dentro,apetecia /entrar nele,tirar a roupa,ficar /nu dentro daquele sorriso. /Correr, navegar, morrer naquele sorriso. /de O Outro Nome da Terra (Eugénio de Andrade)
O corpo quer respirar a lentidão do âmbito/ a frescura do espaço a verdura das ás árvores. / Ele espera a serenidade gloriosa do ocidente/ onde eterniza a púrpura e o azul: Um vespertino visitante poderá levá-lo / numa gôndola branca até aos confins do poente?/ Na página respira um nome de água melancólico (Antonio Ramos Rosa)
Bebido o luar, ébrios de horizontes, /Julgamos que viver era abraçar /O rumor dos pinhais, o azul dos montes /E todos os jardins verdes do mar. //Mas solitários somos e passamos, /Não são nossos os frutos nem as flores, /O céu e o mar apagam-se exteriores /E tornam-se os fantasmas que sonhamos. //Por que jardins que nós não colheremos, Límpidos nas auroras a nascer, /Por que o céu e o mar se não seremos /Nunca os deuses capazes de os viver. (Sophia de Melo Breyner Andresen)
Ouça o poema
Passemos, tu e eu, devagarinho, /Sem ruído, sem quase movimento, /Tão mansos que a poeira do caminho /A pisemos sem dor e sem tormento. // Que os nossos corações, num torvelinho /De folhas arrastadas pelo vento, /Saibam beber o precioso vinho, /A rara embriaguez deste momento. // E se a tarde vier, deixá-la vir /E se a noite quiser, pode cobrir /Triunfalmente o céu de nuvens calmas //De costas para o Sol, então veremos /Fundir-se as duas sombras que tivemos /Numa só sombra, como as nossas almas.(Reinaldo Fereira)
e ao anoitecer adquires nome de ilha ou de vulcão /deixas viver sobre a pele uma criança de lume /e na fria lava da noite ensinas ao corpo /a paciência o amor o abandono das palavras /o silêncio /e a difícil arte da melancolia (Al Berto)
Que nenhuma estrela queime o teu perfil/Que nenhum deus se lembre do teu nome/Que nem o vento passe onde tu passas.//Para ti criarei um dia puro/Livre como o vento e repetido/Como o florir das ondas ordenadas. (Sophia de Melo Breyner Andresen)
Assim eu quereria o meu último poema./Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais /Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas/Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume / A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos /A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.(Manuel Bandeira)
Nada fica de nada. Nada somos. /Um pouco ao sol e ao ar nos atrasamos /Da irrespirável treva que nos pese /Da humilde terra imposta, /Cadáveres adiados que procriam. //Leis feitas, estátuas vistas, odes findas — /Tudo tem cova sua. Se nós, carnes/A que um íntimo sol dá sangue, temos /Poente, por que não elas? /Somos contos contando contos, nada (Ricardo Reis)
Pensar em Deus é desobedecer a Deus, /Porque Deus quis que o não conhecêssemos, /Por isso se nos não mostrou… //Sejamos simples e calmos, / Como os regatos e as árvores, /E Deus amar-nos-á fazendo de nós /Belos como as árvores e os regatos, /E dar-nos-á verdor na sua Primavera, /E um rio aonde ir ter quando acabemos!… (Alberto Caeiro)
Murmúrio/ vaga afluência /lugar errante./O ar respira sem nos chamar/ reconcilia-nos (Antonio Ramos Rosa)
Se houvesse degraus na terra e tivesse anéis o céu, /eu subiria os degraus e aos anéis me prenderia. /No céu podia tecer uma nuvem toda negra. /E que nevasse, e chovesse, e houvesse luz nas montanhas, /e à porta do meu amor o ouro se acumulasse. //Beijei uma boca vermelha e a minha boca tingiu-se, /levei um lenço à boca e o lenço fez-se vermelho. /Fui lavá-lo na ribeira e a água tornou-se rubra, /e a fímbria do mar, /e o meio do mar, e vermelhas se volveram as asas da águia /que desceu para beber, /e metade do sol e a lua inteira se tornaram vermelhas. //Maldito seja quem atirou uma maçã para o outro mundo. /Uma maçã, uma mantilha de ouro e uma espada de prata. /Correram os rapazes à procura da espada, /e as raparigas correram à procura da mantilha, /e correram, correram as crianças à procura da maçã. (Herberto Helder)
Estas são as pétalas da voz que amadurece/ e a sabedoria fragmenta./ Este é o frágil pulso da melancolia/ que pressente a terra cegamente silenciosa/ esta a rosácea negra do coração errante./ Mas o dia nasce lançando sobre a noite uma renda de orvalho (Antonio Ramos Rosa)
He cometido el peor pecado que uno puede cometer. No he sido feliz. (Jorge Luis Borges)
Nunca perseguí la gloria ni dejar en la memoria de los hombres mi canciòn; yo amo los mundos sutiles, ingrávidos y gentiles como pompas de jabòn. Me gusta verlos pintarse de sol y grana, volar bajo el cielo azul, temblar súbitamente y quebrarse.(Antonio Machado)
Aqui nesta praia onde/Não há nenhum vestígio de impureza,/Aqui onde há somente/Ondas tombando ininterruptamente,/Puro espaço e lúcida unidade,/Aqui o tempo apaixonadamente/ Encontra a própria liberdade. (Sophia de Melo Breyner Andresen)
Trabalho o poema sobre uma hipótese: o amor /que se despeja no copo da vida, até meio, como se /o pudéssemos beber de um trago. No fundo, /como o vinho turvo, deixa um gosto amargo na /boca. Pergunto onde está a transparência do /vidro, a pureza do líquido inicial, a energia /de quem procura esvaziar a garrafa; e a resposta /são estes cacos que nos cortam as mãos, a mesa /da alma suja de restos, palavras espalhadas /num cansaço de sentidos. Volto, então, à primeira /hipótese. O amor. Mas sem o gastar de uma vez,/ esperando que o tempo encha o copo até cima,/ para que o possa erguer à luz do teu corpo /e veja, através dele, o teu rosto inteiro. (Nuno Júdice)
A tua voz edifica-me sílaba a sílaba / e é árvore desde as raízes aos ramos/ Cantas em mim a primavera breve tempo /e depois os pássaros irão /povoar de ti novas solidões /E eu sentirei na fronte permanentemente /o sudário levemente branco do teu grande silêncio /ó canção ó país ó cidade sonhada /dominicalmente aberta ao mar que por fim pousas /na fímbria desta tua superfície. (Ruy Belo)
Se te comparo a um dia de verão/ És por certo mais belo e mais ameno /O vento espalha as folhas pelo chão o tempo do verão é bem pequeno.//Ás vezes brilha o Sol em demasia/Outras vezes desmaia com frieza; O que é belo declina num só dia,/Na terna mutação da natureza.//Mas em ti o verão será eterno,/E a beleza que O que é belo declina num só dia,/Na terna mutação da natureza.//Mas em ti o verão será eterno,/E a beleza que O que é belo declina num só dia,/Na terna mutação da natureza.//Mas em ti o verão será eterno,/E a beleza que tens não perderás;/Nem chegarás da morte ao triste inverno://Nestas linhas com o tempo crescerás./E enquanto nesta terra houver um ser,/Meus versos vivos te farão viver. (Shakespeare)
A minha ansiedade é um barco partido para o mar/tolhido da solene intenção de navegar/para além de tudo o que é presente e definido//A minha ansiedade é poesia/fundíssima e distante/um aroma que sabe a maresia/uma vida no mistério de um instante (Luis M. Alves)
Quando eu morrer murmura esta canção /que escrevo para ti. quando eu morrer /fica junto de mim, não queiras ver /as aves pardas do anoitecer /a revoar na minha solidão. //quando eu morrer segura a minha mão, /põe os olhos nos meus se puder ser, /se inda/neles a luz esmorecer, /e diz do nosso amor como se não //tivesse de acabar, sempre a doer, /sempre a doer de tanta perfeição /que ao deixar de bater-me o coração /fique por nós o teu inda a bater, /quando eu morrer segura a minha mão. (Vasco Graça Moura)
Pungência de um silencioso clangor /tessitura dos nervos no triângulo da garganta, /poderás ser a sonora evidência /de um cântico do corpo a ocidente?/ Poderás converter-te na voluptuosa serenidade /e teres avistado o horizonte/sobrevoado pelas aves brancas do anúncio? (Antonio Ramos Rosa)
Antes o vôo da ave, que passa e não deixa rasto, /Que a passagem do animal, que fica lembrada no chão. A ave passa e esquece, e assim deve ser. /O animal, onde já não está e por isso de nada serve, /Mostra que já esteve, o que não serve para nada. /A recordação é uma traição à Natureza, /Porque a Natureza de ontem não é Natureza. /o que foi não é nada, e lembrar é não ver. /Passa, ave, passa, e ensina-me a passar! (Alberto Caeiro)
Quem poderá domar os cavalos do vento/quem poderá domar este tropel/do pensamento/à flor da pele?//Quem poderá calar a voz do sino triste/que diz por dentro do que não se diz/a fúria em riste/do meu país?//Quem/poderá proibir estas letras de chuva/que gota a gota/escrevem nas vidraças/pátria viúva/a dor que passa?//Quem poderá prender os dedos farpa//que dentro da canção fazem das brisas/as armas harpas/que são precisas? (Manuel Alegre)
Amei a mulher amei a terra amei o mar /amei muitas coisas que hoje me é difícil enumerar /De muitas delas de resto falei (Ruy Belo)
Ouça o poema
O corpo não espera. Não. Por nós/ou pelo amor. Este pousar de mãos,/tão reticente e que interroga a sós/a tépida secura acetinada,/a que palpita por adivinhada/em solitários movimentos vãos;/este pousar em que não estamos nós,/mas uma sêde, uma memória, tudo/o que sabemos de tocar desnudo o corpo que não espera; este pousar/que não conhece, nada vê, nem nada/ousa temer no seu temor agudo…//Tem tanta pressa o corpo! E já passou,/quando um de nós ou quando o amor chegou. (Jorge de Sena)
Nem o tempo tem tempo / Para sondar as trevas /Deste rio correndo / Entre a pele e a pele /Nem o Tempo tem tempo /Nem as trevas dão tréguas /Não descubro o segredo /Que o teu corpo segrega. (David Mourão-Ferreira)
Agora que o silêncio é um mar sem ondas, /E que nele posso navegar sem rumo, /Não respondas /Às urgentes perguntas /Que te fiz. /Deixa-me ser feliz /Assim, /Já tão longe de ti como de mim. //Perde-se a vida a desejá-la tanto. //Só soubemos sofrer, enquanto /O nosso amor /Durou. /Mas o tempo passou, Há calmaria… /Não perturbes a paz que me foi dada. /Ouvir de novo a tua voz seria /Matar a sede com água salgada. (Miguel Torga)
Ouça o poema
E por vezes as noites duram meses /E por vezes os meses oceanos /E por vezes os braços que apertamos /nunca mais são os mesmos E por vezes //encontramos de nós em poucos meses /o que a noite nos fez em muitos anos E por vezes fingimos que lembramos /E por vezes lembramos que por vezes //ao tomarmos o gosto aos oceanos /só o sarro das noites não dos meses ///lá no fundo dos copos encontramos //E por vezes sorrimos ou choramos /E por vezes por vezes ah por vezes /num segundo se envolam tantos anos. (David Mourão-Ferreira)
Feliz aquele que administra sabiamente /a tristeza e aprende a reparti-la pelos dias / Podem passar os meses e os anos nunca lhe faltará…(Ruy Belo)
Glorifiquei-te no eterno. /Eterno dentro de mim /fora de mim perecível. /Para que desses um sentido /a uma sede indefinível. // Para que desses um nome /à exactidão do instante /do fruto que cai na terra /sempre perpendicular /à humidade onde fica. // E o que acontece durante /na rapidez da descida /é a explicação da vida. (Natália Correia)
Nunca o verão se demorara /assim nos lábios /e na água /- como podíamos morrer, /tão próximos /e nus e inocentes? (Eugénio de Andrade)
Nunca são as coisas mais simples que aparecem /quando as esperamos. O que é mais simples,/ como o amor, ou o mais evidente dos sorrisos, não se /encontra no curso previsível da vida. Porém, se /nos distraímos do calendário, ou se o acaso dos passos /nos empurrou para fora do caminho habitual, /então as coisas são outras. Nada do que se espera /transforma o que somos se não for isso:/ um desvio no olhar; ou a mão que se demora /no teu ombro, forçando uma aproximação /dos lábios. (Nuno Júdice)
Da margem esquerda da vida /Parte uma ponte que vai /Só até meio, perdida / Num halo vago, que atrai. //É pouco tudo o que eu vejo, /Mas basta, por ser metade, /Pra que eu me afogue em desejo /Aquém do mar da vontade. // Da outra margem, direita, /A ponte parte também. /Quem sabe se alguém ma espreita? /Não a atravessa ninguém. (Reinaldo Ferreira)
Olhando o mar, sonho sem ter de quê./Nada no mar, salvo o ser mar, se vê./Mas de se nada ver quanto a alma sonha!/De que me servem a verdade e a fé?//Ver claro! Quantos, que fatais erramos,//Em ruas ou em estradas ou sob ramos,/Temos esta certeza e sempre e em tudo /Sonhamos e sonhamos e sonhamos.//As árvores longínquas da floresta/ Parecem, por longínquas, ‘star em festa./Quanto acontece porque se não vê! Mas do que há pouco ou não há o mesmo resta.//Se tive amores? Já não sei se os tive./Quem ontem fui já hoje em mim não vive./Bebe, que tudo é líquido e embriaga,/E a vida morre enquanto o ser revive.//Colhes rosas? Que colhes, se hão-de ser/Motivos coloridos de morrer?/Mas colhe rosas. Porque não colhê-las/Se te agrada e tudo é deixar de o haver? (Fernando Pessoa)
Se tanto me dói que as coisas passem / É porque cada instante em mim foi vivo / Na busca de um bem definitivo /Em que as coisas de Amor se eternizassem (Sophia de Melo Breyner Andresen)
Nomeei-te no meio dos meus sonhos/ chamei por ti na minha solidão / troquei o céu azul pelos teus olhos /e o meu sólido chão pelo teu amor (Ruy Belo)
Pelo sonho é que vamos,/ Comovidos e mudos./ Chegamos? Não chegamos? /Haja ou não frutos,/ Pelo Sonho é que vamos.// Basta a fé no que temos./ Basta a esperança naquilo /Que talvez não teremos./ Basta que a alma demos,/ Com a mesma alegria, ao que é do dia-a-dia.// Chegamos? Não chegamos? // -Partimos. Vamos. Somos. (Sebastião da Gama)
Num deserto sem água /Numa noite sem lua /Num país sem nome Ou numa terra nua //Por maior que seja o desespero /Nenhuma ausência é mais funda do que a tua. (Sophia de Melo Breyner Andresen)
Há um caminho marítimo no meu gostar de ti./Há um porto por achar no verbo amar/há um demandar um longe que é aqui./E o meu gostar de ti é este mar.//Há um Duarte Pacheco em eu gostar/de ti. Há um saber pela experiência/o que em muitos é só um efabular./Que de naufrágios é feita esta ciência//que é eu gostar de ti como um buscar as índias que afinal eram aqui./Ai terras de Aquém-Mar (a-quem-amar) (Manuel Alegre)
Ouça o poema
Contar-te longamente as perigosas/ coisas do mar. Contar-te o amor ardente / e as ilhas que só há no verbo amar./ Contar-te longamente longamente. // Amor ardente. Amor ardente. E mar. /Contar-te longamente as misteriosas / maravilhas do verbo navegar./ E mar. Amar: as coisas perigosas. // Contar-te longamente que já foi /num tempo doce coisa amar./ E mar. Contar-te longamente como doi // desembarcar nas ilhas misteriosas./ Contar-te o mar ardente e o verbo amar. /E longamente as coisas perigosas. (Manuel Alegre)
Bastava-nos amar. E não bastava /o mar. E o corpo? O corpo que se enleia? /O vento como um barco: a navegar. /Pelo mar. Por um rio ou uma veia. // Bastava-nos ficar. E não bastava /o mar a querer doer em cada ideia. /Já não bastava olhar. Urgente: amar./ E ficar. E fazermos uma teia. // Respirar. Respirar. Até que o mar /pudesse ser amor em maré cheia. /E bastava. Bastava respirar // a tua pele molhada de sereia. /Bastava, sim, encher o peito de ar. /Fazer amor contigo sobre a areia. (Joaquim Pessoa)
Ah, insensatez que você fez /Coração mais sem cuidado /Fez chorar de dor o seu amor / Um amor tão delicado / Ah, por que você foi tão fraco assim /Assim tão desalmado /Ah, meu coração, quem nunca amou /Não merece ser amado //Vai, meu coração, ouve a razão / Usa só sinceridade / Quem semeia vento, diz a razão /Colhe sempre tempestade / Vai, meu coração, pede perdão / Perdão apaixonado / Vai, porque quem não pede perdão /Não é nunca perdoado (Vinicius de Morais)
O amor é uma companhia. /Já não sei andar só pelos caminhos, /Porque já não posso andar só. /Um pensamento visível faz-me andar mais depressa /E ver menos, e ao mesmo tempo gostar bem de ir vendo tudo. // Mesmo a ausência dela é uma coisa que está comigo. /E eu gosto tanto dela que não sei como a desejar. /Se a não vejo, imagino-a e sou forte como as árvores altas. /Mas se a vejo tremo, não sei o que é feito do que sinto na ausência dela. // Todo eu sou qualquer força que me abandona. /Toda a realidade olha para mim como um girassol com a cara dela no meio. (Alberto Caeiro)
Eu contarei a beleza das estátuas – /Seus gestos imóveis ordenados e frios – /E falarei do rosto dos navios //Sem que ninguém desvende outros segredos /Que nos meus braços correm como rios /E enchem de sangue a ponta dos meus dedos. (Sophia de Melo Breyner Andresen)
Nunca perseguí la gloria /ni dejar en la memoria /de los hombres mi canciòn; /yo amo los mundos sutiles, /ingrávidos y gentiles /como pompas de jabòn. /Me gusta verlos pintarse /de sol y grana, volar /bajo el cielo azul, temblar /súbitamente y quebrarse.(Antonio Machado)
Vem sentar-te comigo Lídia, à beira do rio. / Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos /Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos que a vida passa e não estamos de mão enlaçadas (enlacemos as mãos)//Depois pensemos, crianças adultas, que a vida /Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa, / Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado, /Mais longe que os deuses.// Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.// Quer gozemos, quer nao gozemos, passamos como o rio./ Mais vale saber passar silenciosamente/E sem desassossegos grandes.// Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz,/ Nem invejas que dão movimento demais aos olhos,/ Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria,/ E sempre iria ter ao mar.
…Amemo-nos tranquilamente, pensando que podíamos, / Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,/ Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro/Ouvindo correr o rio e vendo-o.//Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as/ No colo, e que o seu perfume suavize o momento /-Este momento em que sossegadamente nao cremos em nada,/Pagãos inocentes da decadência.//Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-as de mim depois/sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova,/Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos/ Nem fomos mais do que crianças.//E se antes do que eu levares o óbolo ao barqueiro sombrio,/Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti./Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim – à beira-rio,/Pagã triste e com flores no regaço. (Ricardo Reis/Fernando Pessoa)
Não sei que estranha dor meu peito dilacera, /Que esquisito negror meu espírito ensombra! /Tenho sorrisos de anjo e arreganhes de fera, /Sinto chamas de inferno e frescuras de alfombra! / /Sou malvado e sou bom! Minhalma ora é sincera, /ora de ser traidora ela própria se assombra! /Que clamores de inverno e paz de primavera!…/ Escarneço da morte e temo a minha sombra! // Nervo a nervo, a vibrar, misteriosa e vaga, /Anda-me o corpo todo a nevrose de um tédio, /Que dos pés à cabeça atrozmente me alaga… //Onde um recurso ao mal que me banha e transborda? /Minha dor é sem fim! Eu só tenho um remédio: /o suicídio — uma bala… um punhal… uma corda!…(Alcides Freitas)
Amar o perdido / deixa confundido / este coração.// Nada pode o olvido/ contra o sem sentido /apelo do Não. //As coisas tangíveis /tornam-se insensíveis /à palma da mão. // Mas as coisas findas, /muito mais que lindas, / essas ficarão. (Carlos Drummond de Andrade)
Por muito tempo achei que a ausência é falta./ E lastimava, ignorante, a falta. /Hoje não a lastimo. /Não há falta na ausência. /A ausência é um estar em mim. /E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços, /que rio e danço e invento exclamações alegres, /porque a ausência, essa ausência assimilada, /ninguém a rouba mais de mim.(Carlos Drummond de Andrade)
E no meio de um inverno eu finalmente aprendi que havia dentro de mim um verão invencível.(Albert Camus)
Não sei se dor /Ou muito amor /Eu sinto.//Mas isto é maior do que a morte;/Não posso mais./ Eu minto.(Rui Cinatti)
De súbito /como do alto do estio nós estamos no aqui.//Cada coisa que vemos é feliz e nós somos o seu silêncio ou o seu nome.//O clamor tornou-se voz/e o silêncio claro/equivalente a um fundo azul liso.//Luz lúcida/excepcional /sobre as errantes raizes/lenta portadora de uma água visível. (Antonio Ramos Rosa)
Nega-me o pão, o ar,/ / a luz, a primavera, / mas nunca o teu riso,/ porque então morreria. (Pablo Neruda)
Mesmo que não conheças nem o mês nem o lugar /caminha para o mar pelo verão (Ruy Belo)
Nunca o verão se demorara/ assim nos lábios/e na água/ – como podíamos morrer,/tão próximos/ e nus e inocentes? (Eugénio de Andrade)
Levar-te à boca, /beber a água /mais funda do teu ser// -se a luz é tanta,/como se pode morrer? (Eugénio de Andrade)
Ó o frágil pulso da melancolia /como ele sente a solidão solar /sobre a página branca (Antonio Ramos Rosa)
Húmido de beijos e de lágrimas,/ardor da terra com sabor a mar,/o teu corpo perdia-se no meu.//(Vontade de ser barco ou de cantar.) (Eugénio de Andrade)
Eu, quando choro, /não choro eu. /Chora aquilo que nos homens /em todo o tempo sofreu. /As lágrimas são as minhas /mas o choro não é meu. (Antonio Gedeão)
Procura a maravilha. //Onde um beijo sabe /a barcos e bruma. /No brilho redondo /e jovem dos joelhos. //Na noite inclinada de melancolia. //Procura. //Procura a maravilha. (Eugénio de Andrade)
É claro que a vida é boa /E a alegria, a única indizível emoção /É claro que te acho linda /Em ti bendigo o amor das coisas simples /É claro que te amo /E tenho tudo para ser feliz /Mas acontece que eu sou triste… (Vinicius de Morais)
¡Dime qué dices, mar, qué dices, dime! /Pero no me lo digas; tus cantares /son, con el coro de tus varios mares, /una voz sola que cantando gime.// Ese mero gemido nos redime de la letra fatal, y sus pesares, /bajo el oleaje de nuestros azares, /el secreto secreto nos oprime.//La sinrazón de nuestra suerte abona, calla la culpa y danos el castigo; la vida al que nació no le perdona;// de esta enorme injusticia sé testigo,/ que así mi canto con tu canto entona,/ y no me digas lo que no te digo. (Miguel de Unamuno)
Mesmo que não conheças nem o mês nem o lugar /caminha para o mar pelo verão (Ruy Belo)
Ver-te é como ter á minha frente todo o tempo /é tudo serem para mim estradas largas /estradas onde passa o sol poente /é o tempo parar e eu próprio duvidar mas sem pensar /se o tempo existe se existiu alguma vez /e nem mesmo meço a devastação do meu passado (Ruy Belo)
Acaricia o horizonte da noite, busca o coração de azeviche que a aurora recobre de carne. Ele te porá nos olhos pensamentos inocentes, chamas, asas e verduras que o sol ainda não inventou. / Não é a noite que te falta, mas o seu poder. (Paul Éluard/Tradução de José Paulo Paes)
O tempo presente e o tempo passado/Estão ambos livres presentes no tempo futuro, e o tempo futuro contido no tempo passado./ Se todo o tempo é eternamente presente/ Todo o tempo é irredimível./ O que podia ter sido é uma abstracção/ Permanecendo possibilidade perpétua/ Apenas num mundo de especulação./ O que podia ter sido e o que foi/ Tendem para um só fim, que é sempre presente. Ecoam passos na memória/ Ao longo do corredor que não seguimos/ Em direcção à porta que nunca abrimos /Para o roseiral. As minhas palavras ecoam/ Assim, no teu espírito, Mas para quê/ Perturbar a poeira numa taça de folhas de rosa. /Não sei …(T.S.Eliot/Tradução de Maria Amélia Neto)
Mal fora iniciada a secreta viagem / um deus me segredou que eu não iria só. //Por isso a cada vulto os sentidos reagem, /supondo ser a luz que deus me segredou. (David Mourão-Ferreira)
Quando eu morrer batam em latas,/ Rompam aos saltos e aos pinotes,/ Façam estalar no ar chicotes,/ Chamem palhaços e acrobatas!// Que o meu caixão vá sobre um burro/Ajaezado à andaluza…/ A um morto nada se recusa,/ Eu quero por força ir de burro. (Mário de Sá Carneiro)
Posso escrever os versos mais tristes esta noite. / Escrever, por exemplo: “A noite está estrelada, / e tiritam, azuis, os astros lá ao longe”. /O vento da noite gira no céu e canta. //Posso escrever os versos mais tristes esta noite. /Eu amei-a e por vezes ela também me amou. /Em noites como esta tive-a em meus braços. /Beijei-a tantas vezes sob o céu infinito. //Ela amou-me, por vezes eu também a amava. //Como não ter amado os seus grandes olhos fixos. Posso escrever os versos mais tristes esta noite. /Pensar que não a tenho. Sentir que já a perdi…
…Ouvir a noite imensa, mais imensa sem ela./ E o verso cai na alma como no pasto o orvalho. /Importa lá que o meu amor não pudesse guardá-la. /A noite está estrelada e ela não está comigo. //Isso é tudo. Ao longe alguém canta. Ao longe. /A minha alma não se contenta com havê-la perdido.Como para chegá-la a mim o meu olhar procura-a. /O meu coração procura-a, ela não está comigo. //A mesma noite que faz branquejar as mesmas árvores. Nós dois, os de então, já não somos os mesmos. /Já não a amo, é verdade, mas tanto que a amei. /Esta voz buscava o vento para tocar-lhe o ouvido.//…
…De outro. Será de outro. Como antes dos meus beijos. /A voz, o corpo claro. Os seus olhos infinitos. /Já não a amo, é verdade, mas talvez a ame ainda. É tão curto o amor, tão longo o esquecimento. //Porque em noites como esta tive-a em meus braços, /a minha alma não se contenta por havê-la perdido. Embora seja a última dor que ela me causa, /e estes sejam os últimos versos que lhe escrevo.(Pablo Neruda)
Ouça o poema
Não restará na noite uma estrela/Não restará a noite./Morrerei, e comigo a soma/do intolerável universo./Apagarei as pirâmides, as medalhas,/os continentes e os rostos./Apagarei a acumulação do passado./Transformarei em pó a história, em pó o pó./Estou mirando o último poente./Ouço o último pássaro./Deixo o nada a ninguém.(Jorge Luis Borges/Tradução de Renato Suttana)
Amor é fogo que arde sem se ver;/ É ferida que dói e não se sente;/ É um contentamento descontente;/ É dor que desatina sem doer; // É um não querer mais que bem querer;/ É solitário andar por entre a gente;/ É nunca contentar-se de contente;/ É cuidar que se ganha em se perder;// É querer estar preso por vontade;/ É servir a quem vence, o vencedor;/ É ter com quem nos mata lealdade. // Mas como causar pode seu favor /Nos corações humanos amizade, /Se tão contrário a si é o mesmo Amor? (Luis de Camões)
É apenas o começo. Só depois dói, e se lhe dá nome./Às vezes chamam-lhe paixão. Que pode acontecer da maneira mais simples: umas gotas de chuva no cabelo./ Aproximas a mão, os dedos desatam a arder inesperadamente, recuas de medo. / Aqueles cabelos, as suas gotas de água são o começo, apenas o começo. / Antes do fim terás de pegar no fogo e fazeres do inverno / a mais ardente das estações. (Eugénio de Andrade)
Vem, Noite antiquíssima e idêntica, / Noite Rainha nascida destronada, / Noite igual por dentro ao silêncio, Noite / Com as estrelas lantejoulas rápidas No teu vestido franjado de Infinito…(Fernando Pessoa)