Cartagena e a premonição do Fim

00Em Cem Anos de Solidão, diante do pelotão de fuzilamento, de braços amarrados nas costas, mas de olhos desvendados, encarando a fila de soldados de espingardas apontadas, no que pensava o Coronel Buendia?

Afinal escapou do fuzilamento. Como escapou de atentados, de emboscadas e de uma tentativa de suicídio. Ele que fora um herói de tantas causas como de batalhas perdidas (trinta e duas no total), que encabeçara tantas revoluções, que teve dezassete filhos com dezassete mulheres diferentes, afinal haveria de morrer já velho, entretendo-se a fazer peixinhos de ouro.

E seu pai, José Arcádio, que lhe mostrara entre prodígios e muitos delírios o gelo, que afiançara ser “o grande invento do nosso tempo” e que haveria de morrer também velho, louco, amarrado a um carvalho e só, “enfiando a cabeça entre os ombros, como um franguinho, e ficou imóvel com a testa apoiada no tronco da castanheira. A família não ficou sabendo até o dia seguinte, às onze da manhã, quando Santa Sofia de la Piedad foi jogar o lixo baldio dos fundos e reparou que os urubus estavam baixando”. No que teriam ambos pensado antes de morrer?

É a solidão que acompanha várias gerações dos fundadores não de um local mas de um mito, Macondo. Mas também a solidão dos personagens e das relações entre si, a solidão nos conflitos que se estabelecem com quem eles se relacionam, nas lutas políticas entre os que são favoráveis à liberdade e os defensores da ordem estabelecida, nos jogos do poder, corrupção e opressão. Os acontecimentos fantásticos como aquelas centenas de carruagens necessárias para transportar poucas mais centenas de mortos em combate ou a criança que nasce com um rabo de porco e morre devorada por formigas por ter nascido filha de pais consanguíneos. E também das galinhas cujas moelas apareciam cheias de pepitas de ouro, quando da expedição no norte do México à procura do Eldorado.

Este é o universo de Garcia Márquez, na solidão de cada um e na de todos, da Colômbia, de Cartagena, de Medellín, Bogotá, mas também de toda a América Latina. Visitar Cartagena é entreabrir esse universo e ler a sua obra é descobrir um mundo mágico onde os prodígios se sucedem, onde mesmo sem os avanços da ciência da América do Norte ou da Europa, a poesia, a imaginação e os sonhos preenchem a vida de muitos. Como é preciso que nos habitem para sentirmos que vale a pena viver.

Da América Latina conhecemos muito do seu percurso desde as lutas pela libertação, com um cortejo de ditadores, caciques, assassínios, horrores de toda a ordem – temporariamente intervalados por eleições, muitas vezes fraudulentas, para legitimar uma aparente democracia. Nos seus dois séculos de existência, enquanto países independentes, na grande maioria a pobreza é grande, os cuidados de saúde são precários, há fome, ausência de saneamento básico, o desenvolvimento tecnológico não chegou. Em compensação, o narcotráfico, sobretudo, na Colômbia e México é um negócio altamente rentável que abastece o vício dos países mais ricos. E a luta contra ele é cada vez mais dececionante. Haverá mesmo vontade política consistente para acabar com os grandes traficantes?

Pensamos no Caribe e evocamos a África atraiçoada. Mesmo que o racismo se tenha mitigado, persistem atropelos aos direitos humanos, que seguramente irão perdurar. Os computadores poderão substituir até os cérebros humanos, mas coexistirão com gente a morrer de fome, com gente a fugir com o único delito de querer sobreviver. E há quem lucre com isso, quem se escude em boas práticas, quem se refugie em engenharias financeiras, leis do mercado e códigos de conduta para inglês ver. E, como se pode falar em democracia, se não houver políticas que promovam igualdade no acesso escolar e se apoiem os mais capazes, ricos ou pobres?

E quando ocorre uma calamidade, seja onde for, essa gente “exemplar”, de repente perde a compostura. Abusa dos desprotegidos, abandona os mais fracos, muitas vezes velhos e doentes, cria regras para lhes garantir, a eles, privilégios e regimes de exceção, contrata mercenários que, a troco de uns favores, praticam as vilanias convenientes. Não se pode ficar cego com as aparências, os olhos têm de olhar e ver, para proteger o futuro dos mais novos, os nossos filhos e netos.

Disse Saramago ao receber o Nobel: …”Estamos cegos”, e sentou-se a escrever o Ensaio sobre a Cegueira para recordar a quem o viesse a ler que usamos perversamente a razão quando humilhamos a vida, que a dignidade do ser humano é todos os dias insultada pelos poderosos do nosso mundo, que a mentira universal tomou o lugar das verdades plurais, que o homem deixou de respeitar-se a si mesmo quando perdeu o respeito que devia ao seu semelhante.”…

Dos políticos exige-se que deixem de ser cegos diante dos interesses dos cidadãos. Talvez tudo isto seja uma utopia. Mas é imperioso não esquecer a História. É em momentos graves, como os que estamos a viver em quase todo o mundo, que se iniciam as guerras ou as revoluções.

Diante do pelotão de fuzilamento o Coronel Buendia não terá pensado nisto, mas ocorreram-lhe certamente memórias avulsas, talvez não ordenadas, farrapos da sua vida. Haveria certamente mais frustrações, segredos. Como de recordações vivas de amores, filhos, amigos, momentos felizes. Mas uma vida de solidão.

FM

 

 

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Caminhar pelo centro histórico de Cartagena das Índias (a cidade amuralhada) com as suas coloridas casas coloniais de imponentes varandas de madeira e as suas fortificações, é sentir a época distante que vai desde o século XVI até principalmente à independência (1821), o esforço dos espanhóis para defender o seu Império das Américas e a importância do comércio, das riquezas que por ali circularam e dos numerosos combates da sua história.

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Mas é também como folhear alguns dos livros de Gabriel García Márquez, em que são descritos, mesmo com toponímias diferentes, locais ainda hoje identificáveis. Em todos é este ambiente da Colômbia que nos conduz para textos mágicos sobre a solidão e a natureza humana, não só de Garcia Márquez, como de outros, p. ex. Saramago.

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Esta é a casa da Garcia Márquez, em Cartagena. Prémio Nobel em 1982. É uma das maiores referências da corrente literária conhecida por  Realismo Mágico, onde se funde a realidade a um universo fantástico. Em Garcia Márquez alguns exemplos: a eclosão da peste de insónia e esquecimento, a morte e regresso à vida de um cigano, além da inclusão de pormenores assombrosos que rompem com a tradição realista do romance.

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Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o Coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o gelo.” A frase inicial de Cem anos de Solidão de Gabriel Garcia Márquez, o seu livro maior e o mais lido escrito em língua castelhana, depois de Dom Quixote de la Mancha. Romance que narra a saga de uma família – de cada um dos seus membros, das suas extraordinárias aventuras, todos eles acometidos pelo estigma da solidão.

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Ao visitar a Colômbia, como o México, onde Garcia Márquez viveu grande parte da vida, percebe-se o grande orgulho que ambos os povos sentem por Gabo, assim é conhecido. Mas visitou e fez amigos em vários pontos do mundo como Barcelona, Buenos Aires, Havana, Nova Iorque, Praga. Entre eles, Julio Cortázar,  Reinaldo Arenas, Mario Vargas Llosa ou o próprio Fidel Castro. Até em Lisboa permaneceu em 1975, onde conviveu com Cardoso Pires ou Gomes Ferreira, para sentir o cheiro da liberdade como se o chão seco da ditadura exalasse aquele perfume intenso da chuva de quem acreditava ser dono do seu destino.  Morreu em 2014, mas desde 5 anos antes deixara de escrever por estar demenciado. Só recentemente as cinzas de Gabo foram trasladadas para Cartagena.

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Em Cem anos de Solidão, Macondo é “uma aldeia de vinte casas de barro e taquara, construídas à margem de um rio de águas diáfanas que se precipitavam por um leito de pedras polidas, brancas e enormes como ovos pré-históricos”. É aí e a partir daí que tudo se desenrola. Mas como aconteceu?

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26 meses de travessia da serra em busca de uma saída para o mar foram um esforço inglório. Para não fazer o caminho de volta, José Arcádio Buendía fundou o povoado de Macondo. E assim nasceu “a aldeia mais arrumada e laboriosa que qualquer outra que seus habitantes tivessem conhecido. Era de verdade uma aldeia feliz, onde ninguém tinha mais de trinta anos e onde ninguém tinha morrido”.

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Macondo: local mítico, ancestral, equivalente da aldeia natal de Garcia Márquez – Aratacara.

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É a vida da família Buendia, ao longo de 7 gerações, desde que José Arcádio e Amaranta chegaram ao lugarejo que haveria de se transformar em Macondo. São as peripécias extraordinárias por que passam todos os sucessores – como uma população que perdeu a memória, mulheres que se trancam por décadas num local escuro, uma caminhada de homens que arrastam atrás de si um cortejo de borboletas…

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Os Aurelianos terão ao longo do livro a missão de desvendar os misteriosos pergaminhos de Melquíades, um cigano amigo de José Arcadio Buendía.  Aquele aparecera na aldeia no meio de um grupo que trazia mercadorias e inventos e que regressaria anualmente. Melquíades anunciara um instrumento mágico a “oitava maravilha dos sábios alquimistas da Macedónia” e que atraía todos os objetos metálicos – lingotes metálicos, tachos, fogareiros, tenazes… «As coisas têm vida própria», «é tudo uma questão de lhes acordar a alma”. José Arcádio, a partir daí congeminou o plano de extrair ouro da terra com aquele prodígio, do que foi dissuadido por Melquíades, que era homem honesto.

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No ano seguinte regressariam os ciganos com novo prodígio, a última descoberta dos judeus de Amesterdão – um óculo de longo alcance e uma lupa, capaz de trazer uma cigana do fim da aldeia para tão próximo que a punha ao alcance da mão. Para não se perderem nas suas idas a Macondo os ciganos orientavam-se não por bússolas ou estrelas, mas pelo canto dos pássaros.

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Em Cem anos de Solidão relatam-se as histórias delirantes dos membros das várias gerações, mas que repetem sempre os mesmos nomes; onde gente perde o sono e passa anos sem dormir; que vagueia à volta de um pântano; em que as disputas entre vizinhos ou amigos têm fins cruéis. Como liberais e conservadores se envolvem em guerras e por vezes já não sabem quem são uns e outros, nem sequer o que defendem; histórias de ciúmes, adultérios, atentados, abuso de poder, prostitutas, enganos, fanatismo religioso, distúrbios mentais…

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Mas todos nós trazemos na espessura da memória o nosso Macondo – a vila ancestral, onde tudo parece que começa e acaba, sejam frustrações, guerras, utopias, delírios,  magia, amores e desamores. A vida e a morte, o início e os prenúncios do fim. Cem anos? Os que forem, os que deles tivermos recordação.

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E em momentos que o que nos prende à vida é um ténue cordão umbilical, pronto a fazer-nos regressar à não-existência, se estamos lúcidos, ocorrem acontecimentos, uns aparentemente esquecidos, mas que afinal ficaram impressos para toda a vida. Quantos sonhos desfeitos…Naquilo em que acreditámos, na ingenuidade de imaginar que o nosso contributo poderia ter alguma importância…

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Deitado na maca, entra naquele cilindro que parece uma nave espacial. Vai ficar imobilizado uma hora, ouvindo ruídos estranhos que confirmam que o estão a prescrutar. Pressente-se actividade perto, mas não a vislumbra. A distancia para o teto que o envolve é curta. Como será a morte?  Assim, sem dor, pacífica ? Os sons modificam-se, por vezes breves interrupções. A solidão, sempre a solidão, de si para consigo, naquela imobilidade forçada.

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Da doença escondida terá notícias em breve. As fotografias desde menino na moldura digital, onde percebe a precaridade do futuro. Não encara um pelotão de fuzilamento. O gelo não foi a sua maior descoberta. Não é um Buendía, não vive cem anos de solidão , mas traz a solidão primordial. Viu de perto uma guerra, melhor, algumas tragédias de uma guerra, como a de um soldado com as pernas decepadas e os testículos meio destruídos a pedir que acabassem com ele.

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Não foi guerreiro, viu alguns sim, mas a maioria a ver se escapava ilesa. Hoje, a paisagem será idêntica. Muitas famílias continuarão a reunir-se debaixo de uma árvore a comer à mão a farinha amassada e o peixe seco. Já houve outras querrras, minas que deceparam inocentes e os meninos que continuam a ser transportados às costas das mães com mamas caídas como sacos de café quase esgotados.

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Houve, pois, guerras, continuam a existir guerras, mas o trágico é que os inimigos deixaram de ser os colonialistas. Agora, a côr da pele é a mesma, só que os novos senhores exploram o petróleo e os diamantes ou servem de intermediários a estrangeiros que se escudam em regras que os impedem de vender armamento ou receber comissões de quem detém poder (mas lhes faculta sub-repticiamente as comissões que os enriquecem). Grande parte do povo continua a viver miseravelmente.

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Na Europa, na América, nas “civilizações democráticas”, brancos ricos, de negócios, alguns filhos de boas famílias, aí se instalavam para esta “janela de oportunidade” . A nova burguesia negra, a do partido único, que estudara pelo catecismo marxista, que transformara a Reforma Agrária num modo de expropriar as melhores terras que estavam nas mãos da escassa minoria dos brancos, mas que as tratavam e com elas produziam riqueza e criavam emprego, como no Zimbabwe. E depois de os expulsarem, entregaram-nas aos membros e amigos do partido, que deixaram as fazendas (farms) ao abandono. Quantas gerações serão precisas para eliminar ou atenuar estes abusos? Foi só para isso que se fez a guerra contra o colonialismo? Mudar apenas a côr dos exploradores?

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Não foi, com certeza. Mandela provou isso mesmo. Mas, também, há que entender que os valores europeus não são facilmente aplicáveis a África como à América Latina. Que a justiça social que europeus progressistas gostariam de ver implantados é também um desígnio de intelectuais africanos ou latino-americanos, mas vai demorar seguramente muito a implantar-se. Como atenuar a ideia crescente da diferença entre o norte virtuoso e o sul pecador? Como encarar, na Europa,  que a riqueza esteja na mão de poucos milhões de agiotas que castigam sem piedade a larga maioria que não cumpriu os seus ditames? E, já agora, como assistir à tragédia dos milhares que do Médio Oriente se afoitam no Mediterrâneo na busca da esperança, da sobrevivência? Só isso.

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…É compreensível que insistam em medir-nos pela mesma bitola  com que se medem a si próprios [Europa], sem recordar que os estragos da vida não são iguais para todos , e que a busca da identidade própria é tão árdua e sangrenta para nós [América Latina] como foi para eles. A interpretação da nossa realidade segundo esquemas alheios só contribui para nos tornar cada vez mais desconhecidos, cada vez menos livres, cada vez mais solitários …. (fragmento do discurso A solidão da América Latina, pronunciado em Estocolmo em 1982, durante a atribuição do Prémio Nobel)

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Como não perceber a indignação de tantos colombianos de, quase constantemente terem de fazer prova que são gente normal, que não fazem narcotráfico ou se entregam a outras atividades ilícitas? Como não perceber as semelhanças na evolução política da América Latina  desde as independências do poder colonial até à exploração dos senhores dos carteis da droga e da corrupção obscena de tantos governos? Dois séculos?

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Hoje, aqui, em Portugal, olhamos para a calamidade da nossa vida, a precaridade do nosso futuro, os escândalos a rebentarem debaixo dos pés, as pessoas honradas a serem consideradas exceções… A perceber que, em toda a parte, é o poder, o dinheiro, a corrupção, o nepotismo, os interesses. Valores, o que é isso? Só dólares ou euros ou outra moeda cotada.

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São estes pensamentos que ocorrem a quem sente mágoa, desilusão e frustração. De se sentir atraiçoado, não por este ou aquele. Mas na crença de que valeria a pena lutar por ideias que ajudassem quem mais precisa, os deserdados da fortuna, os explorados. Os Portugueses, feitos uns Buendia, têm sido uma espécie de ciganos que abandonaram este pântano há várias gerações à procura de comer e trabalho. Agora, dos que ficaram, – depois de uma revolução atraiçoada e apropriada por arrivistas sem sombra de vergonha, os mais capazes, os mais jovens, a quem lhes prometeram futuro risonho que a instrução promoveria, são convidados a partir. No future. E em nome de quem se criaram universidades-fantoches para justificar fundos europeus.

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Os velhos analfabetos de há 60 anos muitos regressaram, agora, os mais novos, é duvidoso que o façam. Portugal: no future.

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Nesta aldeia, como noutras desertificadas, onde apenas se vislumbram velhos sem forças para partir, onde as escolas fecharam à míngua de alunos, como os centros de saúde, as maternidades, quase tudo o que apoia a vida e ficam só os velhos à espera da sua hora. Talvez ainda haja uma taberna para beber um copo e aqueles que restam e se podem mexer entre tremores e esquecimentos, podem recordar aventuras, rixas. Memória, vivem da memória, aqueles a quem a doença os não priva. Reconhecem já os outros? Identificam os amigos, os parentes que só vêm por vezes?

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Havia em tempos festas, namoricos, no Verão regressavam de férias emigrantes e até havia turistas. Hoje é a desolação do granito, das culturas que foram abandonadas. Atribuíram-se subsídios para desistir de alguma agricultura, por ser mais barato comprar o que vinha de fora, ou para destruir os barcos de pesca. Hoje, as aldeias estão vazias, umas couves galegas plantadas por mãos calosas ou umas galinhas para evitar morrer de fome, e é tudo. Os filhos desertaram. Talvez agora muitos nas periferias das cidades no desespero do desemprego, na insolvência da vida. Nem filhos nem netos. Deserdados da família e da vida.

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O Macondo da nossa infância pode ser um jardim, onde um fotógrafo enfiava a cabeça numa espécie de saia da máquina fotográfica suportada por tripé e, depois de mandar olhar para o passarinho, acabava na laboriosa revelação de um retângulo a preto e branco que nos registava para a posteridade.

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E aqui ficava o registo desse cenário com uma rocha feita fonte e algumas árvores centenárias.

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“Nas duas grandes horas da Vida — a nascer e a morrer — o homem bebe sózinho o seu cálix. No trajecto entre os dois pólos, acobardado pela maior consciência da espessura da bruma, arregimenta amigos e companheiros. Mas a sua unidade é ele. Mesmo que consiga ter à volta a maior multidão — vai só.”  (Miguel Torga)

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Há, pois, momentos em que muitas peripécias ocorrem como num filme rápido da vida. A memória guarda e hierarquiza factos e emoções. Alguns soterrados, mas que as circunstancias reavivam. Garcia Márquez define Macondo como um estado de espírito. Pois, usemos as palavras de Gabo, como também as de Saramago, para exprimir prenúncios do fim, a maldade, a solidão e a decadência. A vida, com a lucidez trazida pela alvorada.

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Lisboa numa fresta de luz. Cidade linda, a ser agora leiloada expeditamente. Ver o rio, imaginar o estuário, deslumbrarmo-nos com a baixa pombalina e percebermos porque tantos nos visitam. Mas durante décadas enxotaram-se os moradores para a Buraca, Cacém ou Barreiro. Construíram-se mamarrachos e demoliram-se edifícios históricos. A política de reabilitação é tímida. Mas a luz persiste, indiferente, o que contrasta com a solidão e aviva a saudade. Duma casa, duma história, dum tempo. Saudade, solidão.

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Saudade é solidão acompanhada, / é quando o amor ainda não foi embora, /mas o amado já… //Saudade é amar um passado que ainda não passou, /é recusar um presente que nos machuca, /é não ver o futuro que nos convida…//Saudade é sentir que existe o que não existe mais… //Saudade é o inferno dos que perderam, /é a dor dos que ficaram para trás, /é o gosto de morte na boca dos que continuam… /Só uma pessoa no mundo deseja sentir saudade: /aquela que nunca amou. //E esse é o maior dos sofrimentos: /não ter por quem sentir saudades, /passar pela vida e não viver. //O maior dos sofrimentos é nunca ter sofrido. (Pablo Neruda)

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Como se reage a um infortúnio que nos deixa dependentes dos outros? O que sucede quando tudo se torna adverso? E quando uma calamidade, uma doença, um desastre se abate sobre alguém, e se generaliza a toda a gente (ou quase)? Há solidariedade, rastos dela? E autêntica ou hipócrita? Ou só indiferença?

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Saramago retrata magistralmente a natureza humana no que tem de mais hediondo. A cegueira gradualmente atinge toda a gente, exceto uma mulher. O governo decreta quarentena e durante ela ocorrem atos ascorosos deste salve-se quem puder – ganância, abusos de poder, lutas pela comida escassa, violência e abuso sexual, mortes. É a animalidade à solta. Por vezes ainda uma réstia de compaixão pelos mais desprotegidos – idosos e crianças.

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Os olhos estão mortos, o tato e os ouvidos desdobram-se. Os mais frágeis ficam ainda mais dependentes. O isolamento dos doentes leva-os ao internamento num hospício. Mas quase toda a gente acaba por ser atingida – é uma comunidade cega.

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A exceção misteriosa é a mulher do primeiro doente. É ela que testemunha as reações do ser humano às necessidades. A máscara que cai, provavelmente de muita gente antes considerada exemplar e que escondera desde sempre condutas repugnantes, as quais, se a adversidade não ocorresse, passariam despercebidas. Agora, a revelarem-se em toda a sua extensão. Mas, ainda em alguns, a compaixão pelos doentes, pelos idosos e crianças.

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“Uma terrível atroz imensa/ Desonestidade/ Cobre a cidade// Há um murmúrio de combinações/ Uma telegrafia/ Sem gestos sem sinais sem fios// O mal procura o mal e ambos se entendem/ Compram e vendem// E com um sabor a coisa morta/ A cidade dos outros/ Bate à nossa porta “ (Sophia de Mello Breyner Andresen)

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É Saramago que nos fala no Ensaio sobre a cegueira sobre o comportamento humano. É através dessa mulher que percebemos a imensidade da devastação. Além dos cadáveres amontoados, dos incêndios, é a falta de escrúpulos, o desprezo, o abandono. Não é uma reflexão sobre qualquer cidade em particular, mas sobre a nossa sociedade, que reage de modo idêntico nas dificuldades. E quem são os mais frágeis, os mais desprotegidos, nesta sociedade que vive da ostentação e que não olha a meios para atingir os seus fins?

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– Por que foi que cegámos, Não sei, talvez um dia se chegue a conhecer a razão, Queres que te diga o que penso, Diz, Penso que não cegámos, penso que estamos cegos, Cegos que vêem, Cegos que, vendo, não vêem. (José Saramago)

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“A cegueira também é isto, viver num mundo onde se tenha acabado a esperança”. (José Saramago)

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As imagens da América Latina, da Colômbia e de Cartagena evocam Garcia Márquez como também a escultura e pintura de Botero que, nascido em Medellín, é dos artistas plásticos mais importantes da América Latina. Muitas afinidades, como o empenho social e político. E em ambos a ligação ao México de Diego Rivera.

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Visitar Cartagena (ou Cartagena das Indias) é, pois, também revisitar Garcia Márquez. É cenário de várias das suas obras “Memórias das minhas putas tristes”,  “Amor em tempos de cólera” e “Ninguém escreve ao Coronel”. Virada para o Caribe, a arquitetura, flores, profusão de cores e artesanato impressionam.

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Calcorrear o centro histórico (declarado Património da Humanidade em 1984, pela Unesco), sobretudo se acompanhado por um guia culto, pode ajudar-nos a reconhecer alguns lugares descritos por Garcia Márquez, mesmo que ele tivesse usado outras designações.

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Cartagena foi fundada em 1533 por Pero de Heredia, embora esse não tivesse sido o seu nome original, porém Isabel a Católica autorizou a alteração atendendo às semelhanças com a baía da Cartagena espanhola. Dada a sua localização e características, Cartagena constituíu um ponto de defesa importante.

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Monumento a Pedro de Heredia (Madrid – Cádiz, 27 de Janeiro de 1554)

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Cartagena das Índias foi na época colonial o porto estrategicamente mais importante do Caribe. Por aí escoava o ouro e prata, provenientes do que hoje é a Bolívia, o Chile e o Perú, que em trânsito por Cuba chegavam aos portos de destino – Cadiz, Sevilha e a Cartagena de origem. Por lá chegavam os escravos africanos oriundos sobretudo da Guiné. Das muralhas e fortificações que a protegiam das investidas inimigas, algumas resistem.

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O Castelo de San Felipe de Barajas, a maior obra militar espanhola da América do Sul. À entrada uma estátua do militar espanhol Blas de Lezo, que em 1741 defendeu a cidade de um ataque por uma armada de forças inglesas e americanas, largamente mais poderosa e bem equipada do que os meios dos sitiados. Terá sido a armada mais numerosa alguma vez reunida, só superada pelos navios envolvidos no desembarque da Normandia.  Porém, os atacantes depararam com uma defesa tenaz e tiveram que debandar com importantes baixas. Foi um enorme desastre que consolidou o poderio espanhol.

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Todavia, ao longo da História foram numerosos os ataques que Cartagena sofreu. De piratas a tropas regulares inglesas, francesas e holandesas. E de todos os assaltos, destaca-se a campanha de reconquista e cerco comandados pelo General Morilo, em 1815, após a declaração de independência feita 4 anos antes. Os combates foram tremendos com os sitiados a decidirem lutar até à morte. Resistiram mais de 3 meses, mas acabaram por ser derrotados. Cartagena ficou conhecida por Heroica.

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Os espanhóis haveriam de permanecer até 1821, quando finalmente foram expulsos pelas tropas republicanas, comandadas pelo General Montilla. Cartagena foi a última cidade colombiana a ser libertada do poder espanhol. Porém, estava quase em ruínas.

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Tudo começara com Símon Bolívar em 1805, que, durante o consulado de Napoleão, se comprometera a libertar a América do domínio espanhol. Bolivar tinha outro desígnio: fazer da América Latina uma única nação. Mas, pelos anos seguintes os interesses dos caciques locais sobrepuseram-se. Ele, que recusara recompensas pelo que correspondeu à libertação de toda a América Latina do império espanhol e ser nomeado presidente com poderes ilimitados, sofreu um atentado. Desiludido e doente, decidiu exilar-se. Aqui começa outro romance de Garcia Márquez – O General em seu labirinto.

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Mas façamos uma pequena digressão pelo Centro Histórico.

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As ruas estreitas da Cartagena histórica, as suas praças e pracetas, por onde poderiam ter passado as personagens fictícias de Gabriel Garcia Márquez ou ele próprio. Imaginamo-las no Portal dos Dulce ou na Plaza de los Coches. Mas noutros locais que se transformaram e onde, hoje, existem hotéis.

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Amor em tempos de cólera narra o amor entre dois jovens Fermina e Florentino que durante três anos se correspondem por cartas, mas por questões de preconceito interrompem o namoro. A acção decorre em Cartagena no final do século XIX, durante um surto de cólera e a guerra civil. Fermina casa-se, então, por conveniência com Juvenal Urbino, um médico rico e de boas famílias, que se mostrará homem magnânimo e empreendedor .

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Foi ali, sob as arcadas do Portal de los Dulces (na ficção o Portal dos Escrivães), que Fermina Daza decidiu que não ia casar com Florentino Ariza, adiando esse amor exatamente por 51 anos, nove meses e quatro dias.

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Florentino  era um simples  empregado dos correios,  jurou amor eterno a Fermina, aguardando pacientemente pela morte do rival. A sua promessa de amor verdadeiro persistiu, não obstante variadas aventuras de ocasião com solteiras, casadas e viúvas em casos cómicos uns, trágicos ou comoventes, outros. E quando, finalmente o seu rival morreu, ele reafirma, no primeiro dia da viuvez, o seu amor por Fermina.

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Aqui, na Plaza de la Artilleria,  ficava a residência  da mãe do doutor Juvenal Urbino, marido de Fermina. Mas, de facto, a imponente porta de madeira  era  a entrada da mansão do marquês de Valdehoyos, o maior traficante de escravos da região, que García Márquez apelida de marquês de Casalduero.

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A alguns quarteirões de distância fica o Parque dos Evangelhos (na realidade, o Parque Fernández de Madrid), onde Florentino “a partir das sete da manhã” via Fermina passar sentado “no banco menos visível” e “fingindo ler um livro de versos à sombra das amendoeiras”. Frente ao parque estão as paredes brancas da casa de Fermina Daza, conhecida como a “casa de Don Benito”, que é uma das mais antigas da cidade. “Foi aqui que Gabito me disse que tinha mudado o nome à sua personagem principal. Chamava-se Josefa Cárcamo, mas eu tinha-lhe dito que não gostava”, recorda Jaime García Márquez, que costumava passear com o irmão por Cartagena para encontrar os locais onde decorria o seu próximo romance.

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Porta do Relógio, ex-libris da cidade.

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Museu Herédia

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“Não é verdade que as pessoas param de perseguir os sonhos porque estão a ficar velhas, elas estão a ficar velhas porque pararam de perseguir os sonhos.”  (Garcia Márquez)

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“Como provar aos homens quanto estão enganados ao pensar que deixam de se apaixonar quando envelhecem, sem saber que envelhecem, justamento, quando deixam de se apaixonar’”? (Garcia Márquez)

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Monumento dos Sapatos Velhos ou Botas velhas, situado atrás do Castelo San Felipe de Barajas. É uma homenagem a um dos maiores poetas de Cartagena, Luiz Carlos López. Flota en el horizonte opaco dejo /crepuscular. La noche se avecina/ bostezando. Y el amor, bilioso y viejo,/ duerme como un sueño de morfina.//Todo está en laxitud bajo el reflejo/ de la tarde invernal, la campesina/ tarde de la cigarra, del cangrejo/y de la fuga de la golondrina… //Cabecean las aspas del molino /como con neurastenia. En el camino, /tirando el carretón de la alquería. //Marchan dos bueyes con un ritmo amargo /llevando en su mirar, mimoso y largo,/ la dejadez de la melancolía…”

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“Todos temos três vidas: A vida pública, a vida privada, e uma vida secreta.” (Garcia Márquez)

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Escultura de Fernando Botero, um dos grandes artistas plásticos da América Latina. Pintor, escultor, aguarelista. Esta mão esquerda, sapuda, disforme, pode traduzir a ganância.

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As prostitutas no universo de Garcia Marquez – ele que foi um frequentador assíduo de bordeis: “Vem cá, você também — disse ela [a prostituta] — São só vinte centavos. Aureliano jogou uma moeda na caixinha que a matrona tinha nas pernas e entrou no quarto sem saber para quê. A mulata adolescente, com suas tetinhas de cadela, estava nua na cama. Antes de Aureliano, naquela noite sessenta e três homens tinham passado pelo quarto”.

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“No ano dos meus noventa anos quis oferecer a mim mesmo uma noite de amor louco com uma adolescente virgem. Lembrei-me de Rosa Cabarcas, a dona de uma casa clandestina que costumava avisar os seus bons clientes quando tinha uma novidade disponível.”… (Garcia Márquez)

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…”Nunca sucumbi a essa nem a nenhuma das suas muitas tentações obscenas, mas ela não acreditava na pureza dos meus princípios. A moral também é uma questão de tempo, dizia com um sorriso maligno, tu dirás” (Garcia Márquez)

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”O alívio caiu-me do céu. Na superlotada caranguejola de Loma Fresca, uma vizinha de assento que não tinha visto entrar sussurrou-me ao ouvido : Ainda fodes? Era Casilda Armenta, um velho amor baratucho que me tinha suportado como cliente assíduo desde que era uma adolescente altiva. Uma vez retirada, meia doente e sem um chavo, casara com um hortelão chinês que lhe deu nome e apoio, e talvez um pouco de amor. Aos setenta e três anos tinha o peso de sempre, continuava bela e de carácter forte, e conservava intacta a desenvoltura da profissão” in Memória das minhas putas tristes

 

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“Desde então comecei a medir a minha vida não por anos mas por décadas. A dos cinquenta tinha sido decisiva porque tomei consciência de que quase toda a gente era mais nova do que eu. A dos sessenta foi a mais intensa pela suspeita de que já não tinha muito tempo para me equivocar. A dos setenta foi terrível por uma certa possibilidade de que fosse a última…” (Garcia Márquez)

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Os corpos pintados ou esculpidos de Botero são opulentos, excessivos e muitos deles transmitem sensualidade. Muito embora tivessem tido percursos de vida diferentes, existiram em Botero e Garcia Márquez preocupações políticas e sociais comuns. E o México, sempre o México, e a influência de Diego Rivera, no caso de Botero.

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“O  mais importante que aprendi a fazer depois dos quarenta anos foi a dizer não quando é não” (Garcia Márquez)

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Como Garcia Márquez escreveu em Memória das Minhas Putas Tristes, pode imaginar-se o final da vida e a evocação dos bordeis, das mulheres a quem se pagou, daquelas com quem se partilhou um sexo rápido e de quem se despediu entre o aliviado e o arrependido.  Esta escultura podia perfeitamente representar uma dessas matronas.

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O sexo é o consolo que a gente tem quando o amor não nos alcança.” (Garcia Márquez)

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Em Ninguém escreve ao Coronel, Garcia Márquez relata a história do militar que se batera na guerra aos 20 anos de idade e que pretendia receber a pensão que o governo decretara 33 anos antes aos veteranos de guerra. Já velho e pobre, com a mulher doente, vê como únicos recursos a máquina de costura e um galo de combate, deixados por seu filho, alfaiate e grande amante da luta de galos, que, entretanto, morrera.

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Mas, as finanças do governo eram escassas e os muitos candidatos tinham de aguardar a sua vez…Todas as 6ªs feiras aí ia ele receber a lancha à espera que no correio viesse a carta que trouxesse a almejada carta. O galo, porém, valeria muito mais do que a oferta que dele fazia o ricaço da terra. Na miséria extrema, abdicar do sonho de seu filho em fazer do galo um campeão, mentir à mulher para a poupar à sua penúria? Só a esperança nessa pensão, que teimava em não chegar. Vender, aguentar? Como sobreviver?

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 ”Ora, a solidão, ainda vai ter de aprender muito para saber o que isso é, Sempre vivi só, Também eu, mas a solidão não é viver só, a solidão é não sermos capazes de fazer companhia a alguém ou a alguma coisa que está dentro de nós, a solidão não é uma árvore no meio duma planície onde só ela esteja, é a distância entre a seiva profunda e a casca, entre a folha e a raiz…”, José Saramago, in O Ano da Morte de Ricardo Reis

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“O segredo de uma velhice agradável consiste apenas na assinatura de um honroso pacto com a solidão” (Garcia Márquez)

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 – É que vocês não sabem, não o podem saber, o que é ter olhos num mundo de cegos. (José Saramago). E pode ver-se, perceber o que escapa à maioria.  A solidão de países da América Latina, de África, da Europa do sul, de gente entregue a si própria, na luta pela sua sobrevivência e a indiferença de todos os que preocupam  apenas em salvaguardar o seu bem-estar.

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A infâmia de enriquecer à custa da desgraça alheia, dos empréstimos que apenas servem para pagar juros  e aumentar a dívida. Os salários de miséria que cada vez empobrecem mais, mas aumentam os lucros de especuladores e agiotas.  A nível individual, a proximidade da morte a trazer a consciência da solidão e da inutilidade da própria vida.

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…O tempo depois de morrermos é sempre pior do que o tempo antes de nascermos. Ninguém sobrevive. Nascemos, vivemos e morremos. Sobreviver é tão estúpido como anteviver.  A grande diferença entre estar perto da nascença e estar perto da morte é que a proximidade da morte é necessária e suficientemente boa conselheira. Antes de morrermos convém-nos despirmo-nos até estarmos nus; só com os nossos verdadeiros amores. (Miguel Esteves Cardoso)

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Leituras aconselhadas: Segredos da Cartagena de Garcia Márquez, Susana Salvador, http://www.dn.pt/inicio/interior.aspx?content_id=996331

Cartagena das Indias Viver para contá-la, Andreia Marques Pereira  http://fugas.publico.pt/Viagens/334310_cartagena-das-indias-viver-para-conta-la

Colômbia cria rota dedicada a Gabriel García Márquez | A Cartagena de ”Gabo”. Histórias Reais e Imaginárias, Carla B. Ribeiro  http://fugas.publico.pt/Noticias/280731_colombia-cria-rota-dedicada-a-gabriel-garcia-marquez-a-cartagena-de-gabo-historias-reais-e-imaginaNa Cartagena de Garcia Márquez

http://www.lidebr.com.br/revista/26/Turismo_Exterior_E.pdf

Literatura e Jornalismo  em Gabriel Garcia Márquez: uma leitura de crónicas, Joana de Fátima Rodrigues www.teses.usp.br/teses/2005
http://www.lidebr.com.br/revista/26/Turismo_Exterior_E.pdf
Gabriel García Márquez Tells Stories, Runs Errands, and Has a Dream Silvana Paternostro,  http://www.jstor.org/stable/40209475

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Agradecimentos a Paulo Cunha

 

Olhares (e ver)