México: As Pedras e o Homem (roteiro de viagem)

introCom o dedo retiro o sal do bordo da taça e levo-a à boca. Gosto de Margueritas, mas dispenso o sal. A dose de Tequila lentamente vai-me impregnando e cria uma sensação de abandono, bem-estar. Na ementa, hesito: nachos com guacamole, burritos, enchiladas…

Penso como os maias tinham calculado a duração do ano solar em 433 A.C. com a mesma exactidão do calendário gregoriano, só que este, foi estabelecido dois mil anos depois! Como eles concebiam o tempo, como algo sem princípio nem fim, o que tornava possível projectar cálculos sobre momentos separados no passado sem alcançar nunca o ponto de partida…Como este conceito de intemporalidade nos leva a admitir não haver início nem fim no Universo (o Infinito em ambos os sentidos), a sua dimensão impossível de calcular (o Absoluto). Perturbador.

O Homem é uma experiência única, finita. Nascemos e morremos. Vivemos entre parêntesis; o que aprendemos, porém, é uma migalha; consciência, temos daquilo que experimentámos. Da amiba ao ser humano, uma evolução adaptada ao ambiente; um elemento fundamental – o carbono, depois um cromossoma, um código genético. Decifrámo-lo, mas não, o mistério da Vida.

Também as civilizações maias tiveram os seus códigos. Os livros, cujo papel era mais durável do que os papiros romanos escritos na mesma época, foram destruídos; poucos resistiram. O nosso conhecimento dos maias é escasso. Ficaram, sobretudo, pedras, cerâmica. E hieróglifos, para os “Champollions” dedicados às culturas ameríndias.

A segunda Marguerita recorda-me a destilaria que visitei em Guadalajara. E dos “shots”, a que me recusei. Parece que a tradição se ficou a dever a uma epidemia de gripe e de como eles eram receitados como tratamento…Do abandono à levitação.

Descoberta ou achamento é uma polémica tola. Descobre-se o que se vai à procura de encontrar; acha-se por acaso. Quantos povos índios existiam na época de Colombo? Muitos. Admitem-se a hoje as suas origens e percursos. Até os vikings tinham ido à América. Mas, perante o extraordinário nível científico e cultural de alguns povos índios, não podemos deixar de perder a arrogância que a civilização judaico-cristã nos incutiu. E de entender quanto qualquer forma de intolerância religiosa ou outra – como aconteceu, na época, com a Inquisição, pode travar o Conhecimento. Mas, sobretudo, a humildade de reconhecer a nossa ignorância.

A terceira Marguerita é o ponto final: que viva México!

FM

 

 

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Catedral da Cidade do México. Visitamos o México e apercebermo-nos da grandiosidade das civizações pré-colombianas, como depois dos sinais do período colonial, da independência, da ditadura de Porfírio Diaz e da Revolução de 1910. Brancos, índios, crioulos, mestiços – todos eles constituem o povo mexicano. Mas haverá uma identidade no Homem mexicano? Viajar, não é perder países, como dizia Pessoa. Pode ser um estímulo para a descoberta de mundos fascinantes. A comprovação de como, afinal, os europeus – neste caso os castelhanos, não tinham um nível superior de cultura em relação àqueles “bárbaros” da América. Os conquistadores, eles próprios, se maravilharam com o desenvolvimento arquitectónico e científico, a organização política, a agricultura, etc.

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Riviera maia no Yucatán: as histórias que, praias como esta, podem evocar!

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Não é muito relevante saber a verdadeira nacionalidade de Cristóvão Colombo que, em 1492, às ordens de Dona Isabel, rainha de Castela, aportou a uma terra que julgava ser a Índia, mas que se tratava das Antilhas. Talvez genovês, talvez catalão, talvez grego, talvez português da vila de Cuba que, a soldo de D. João II, procurasse convencer os Reis Católicos a atingir a Índia por ocidente. O objectivo seria assegurar para Portugal a posse de todo o Brasil (que já seria conhecido, antes da viagem de Cabral), para depois da assinatura do tratado de Tordesilhas (1494).

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Estátua da Rainha Isabel I, em Madrid

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De qualquer modo, agente secreto de D. João II, como assegura Mascarenhas Barreto, ou não, comandando três naves pequenas (Santa Maria, Pinta e Niña), a 12 de Outubro descobre o continente que virá a ser chamado América. Explora as ilhas que são hoje as Bahamas, Haiti e Cuba. Regressa a Castela em 1493 e volta à América mais três vezes. Em 1506 morre em Valhodolid, esquecido e abandonado.

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Hernán Cortés era um fidalgo, bacharel em direito, conhecedor de latim, insinuante, mulherengo, com dom de palavra, que acompanhou o governador Diogo Velasquez na conquista de Cuba, em 1511. Aqui estabelecido, fez fortuna e ele mesmo custeou parte da armada que haveria de partir para o México. A 10 de Fevereiro de 1519, largou de Cuba. Já anteriormente, Hernandez de Córdova e Juan de Grijalva tinham comandado expedições, que fizeram parte do reconhecimento da costa do Yucatán e trazido notícias da rica cultura dos maias e do império asteca.

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As populações maias de várias tribos mostraram-se entre receosas e hostis. A todas, os castelhanos pediam ouro e ofereciam roupas, espelhos, pentes, objectos metálicos – agulhas, tesouras (que faziam grande sucesso, pois desconheciam o ferro). Procuravam também abastecer-se de água potável e alimentos. Nos combates que travaram, ao princípio era a artilharia o que mais intimidava os índios, mas a grande surpresa foi a utilização de cavalos, animais até aí desconhecidos, e que consideravam como “monstros de quatro patas”. Outro pormenor a favor dos castelhanos era o objectivo dos indios ser ferir e capturar os inimigos (para depois os sacrificarem aos deuses), não matá-los, o que os fazia desperdiçarem a sua superioridade numérica.

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A arquitectura, tanto do povo maia como asteca, estava muito desenvolvida. Na sua viagem para sul, Cortés, como todos os navegadores que o antecederam, viram enormes pirâmides que eram utilizadas para o culto e sacrifícios humanos. Estes, eram realizados em datas específicas em homenagem aos deuses. O culto ex?g?a que as divindades fossem al?mentadas com sangue humano, para assegurar a marcha do Un?verso. Eram sobretudo os prisioneiros, os sacrificados. Hav?a 18 mane?ras de morrer: por flechada, por ?mersão na água, por degola, por esfolamento…

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O Imperador Carlos V, num óleo de Tiziano. Os contactos com os astecas (ou mexicas) foram-se repetindo. Além de pedir ouro, Cortés fazia prédicas sobre Deus e a necessidade de os índios abandonarem os seus cultos tradicionais; negava-se a aceitar sacrifícios humanos e canibalismo; e falava do grande Rei longínquo, Carlos V, senhor de um enorme Império, a quem deviam prestar vassalagem e de quem se dizia embaixador. Nos seus contactos com os astecas teve papel importante uma índia, a quem chamaram Marina, depois de a baptizarem, e que se tornou amante de Cortés (para os mexicanos actuais é doña Malinche). Sobre Tenochtitlan, onde residia o Imperador Monctezuma, foi-se inteirando da sua importância. Várias foram as viagens em que Cortés e o Imperador trocaram mensagens. Cortés queria que ele viesse visitá-lo.

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Moctezuma hesitava: seriam aqueles estrangeiros sacerdotes do deus Quetzalcóatl (que representava as energias telúricas)? Se Cortés era um embaixador ou o próprio deus, eram-lhe devidas honras e cortesia, e deveria ser recebido na sua cidade, de acordo com os princípios astecas…Ou eram apenas conquistadores gananciosos em busca do ouro? Entretanto, Cortés escolhia um porto (hoje, Veracruz) para se instalar. Ele e os seus homens são recebidos por emissários de Moctezuma com ouro e jóias. Mas vão estabelecendo relações com tribos índias inimigas dos astecas, embora tenham conseguido a libertação de altos dignitários astecas aprisionados. Esse gesto é recompensado em mais ouro…E os espanhóis chegam à capital. São recebidos amistosamente. Cortés visita o Imperador e fala-lhe de cristianismo. Sobe ao Templo Maior e horrorizado vê a decoração feita de cabeças humanas. A pretexto de soldados seus terem sido mortos, acusa Moctezuma e ameaça matá-lo.

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O Imperador acaba por aceitar a exigência de Cortés, que o quer apr?s?onar, de partir com ele. Declara que, por amizade, vai viver uns tempos com os espanhóis. Era evidente que estes não pertenciam à linhagem dos sacerdotes de Quetzalcóatl e que tão pouco eram deuses. Após importante batalha em 1519, na qual as forças invasoras foram derrotadas, os espanhóis reagruparam-se e regressam passados oito meses, tendo a seu lado um contingente ainda maior de nativos seus aliados. A capital Tenochtitlan foi sitiada e depois destruída (Tenochtitlan, aqui reconstituída, onde hoje se localiza a Cidade do México), o que acabou por levar à derrota total dos astecas em 1521. O cerco durou sete meses. A superioridade das armas espanholas (canhões, bestas, espadas de ferro), as hesitações religiosas sobre a origem dos espanhóis e a varíola, terão sido factores decisivos para a derrota dos aztecas.

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Quanto a Moctezuma, inicialmente foi tratado de acordo com a dignidade do cargo e era respeitado pelo seu povo. Mas, após o massacre da nobreza asteca, cria-se um clima de revolta. Cortés exige que o Imperador vá ao tecto do palácio mandar parar os ataques. Entre flechas e pedras que chovem, Moctezuma é atingido e morre. Quem o matou? Ainda hoje Moctezuma é desprezado por muitos mexicanos e não há qualquer celebração em sua honra. Figura polémica, Moctezuma foi o traidor do seu povo ou tentou evitar um massacre? De qualquer modo, este existiu. No final foram centenas de milhares de astecas mortos, pilhagens enormes de ouro e prata e destruições.

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Durante o governo de Moctezuma, o império asteca chegou a ser formado por cerca de 500 cidades, que pagavam elevados impostos. Os castelhanos apropriaram-se de grande parte dos objectos de ouro para depois os fundirem, o que justifica a raridade actual destes objectos. A sociedade era hierarquizada, tendo no topo o imperador, também chefe do exército. A nobreza era formada por sacerdotes e chefes militares. As classes sociais mais baixas (camponeses, artesãos e trabalhadores urbanos) eram obrigadas a trabalho compulsivo, quando o Imperador os convocava (redes de regadio, estradas, templos, pirâmides).

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E se muitas práticas hoje nos horrorizam (sacrifícios humanos e canibalismo, nomeadamente), não foi em nome da pureza dos dogmas da Igreja que na mesma época funcionavam os Tribunais do Santo Ofício e tantos “hereges” foram torturados e/ou queimados vivos?!

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Arte asteca

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Esta escultura distingue os astecas de todos os outros povos índios – é a Pedra do Sol, descoberta em 1790, na Praça Maior da capital da Nova Espanha. Em virtude do seu conteúdo simbólico, com o nome dos dias e dos sóis da origem do universo, foi incorrectamente identificado como Calendário Asteca.

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Todos os diferentes povos que ocuparam as terras mexicanas eram oriundos do norte do continente americano. Alguns deles ficaram por aí, continuando as suas tradições de nómadas. Os que chegaram às terras mais a sul, às terras do México, tornaram-se sedentários e evoluíram no sentido de um sistema cultural que teve o seu apogeu na civilização de Teotihuacan. No meio da planície ergueram montes de terra sem muros de retenção.

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A principal cidade asteca que visitaremos é Teotihuacán, que foi ocupada pelos astecas, mas há evidência de ter sido ocupada anteriormente por zapotecas, mixtecas, maias, totonacas e mesmo nahuas. Impressionam principalmente as duas grandes pirâmides (a do Sol e a da Lua, sendo a primeira, uma das maiores, senão a maior, da Mesoamérica), Testemunho da sua importância é o facto de Teotihuacán, mesmo após seu declínio, por volta do final do século VII, continuar a ser importante centro de peregrinações.

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Teotihuacan foi a maior cidade conhecida da época pré-Colombiana. Porém, há muito por esclarecer. Um dos maiores desafios que se colocam aos investigadores é dec?frar o complexo sistema de escrita utilizado. Os caracteres podiam representar sons, ideias ou ambos. Além disso, há indícios de que os maias se serviam de diferentes formas de escrita para um único conceito. Os materiais de registo mais empregados foram pedras, madeira, papel e cerâmica. Fabricavam também livros e códigos confeccionados a partir de fibra vegetal, resina e cal. Porém, a dominação espanhola tratou de incinerar a grande maioria da documentação escrita: sob a aprovação da Igreja, os registos maias foram queimados em virtude de sua origem pagã. Foi pouco o que escapou.

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Assunto também não esclarecido, é o da decadência do Império maia, que ter-se-ia iniciado já antes da chegada dos Espanhóis. É possível que na sua origem tenha estado uma seca prolongada o que, aliado à pobreza dos terrenos no Yucatan, arrastasse os maias para guerras de conquista de mais terras. Terramotos e epidemias teriam também contribuído para a decadência.

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No caso de Teotihuacan ter-se-ia devido a uma revolta ocorr?da na própria cidade (que chegou, no seu apogeu a ter cerca de 150 mil habitantes). Existem indícios de um grande incêndio. No entanto, as chamas teriam atingido apenas os palácios e edificações governamentais, o que leva a crer que os habitantes, revoltados, tenham ateado fogo aos prédios daqueles que os oprimiam. Os templos astecas e maias eram sempre rectangulares e escalonados, gerando pirâmides coroadas por uma plataforma, onde se supõe que tenham sido locais de sacrifício.

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O que escreve Octávio Paz (OP) em “O labirinto da solidão”: …contempla-se a Conquista da perspectiva indígena ou da espanhola, este acontecimento é expressão de uma vontade unitária. Apesar das contradições que a constituem, a Conquista é um facto histórico destinado a criar uma unidade, da pluralidade cultural e política pré-cortesiana. Diante da variedade de raças, línguas, tendências e Estados do mundo pré-hispânico, os espanhóis postulam um único idioma, uma única fé, um único senhor. Se o México nasce no século XVI, é preciso convir que é filho de uma dupla violência imperial e unitária: a dos astecas e a dos espanhóis.

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Xcaret (Cancun) Entre ir e ficar duvida o dia,/enamorado de sua transparência./A tarde circular é já baía: em seu quieto vaivém se mexe o mundo./Tudo é visível e tudo é efusivo, tudo está perto e tudo é intocável./Os papéis, o livro, o copo, o lápis repousa à sombra de seus nomes./Bater do tempo que em minha têmpora repete a mesma teimosa sílaba de sangue./A luz faz do muro indiferente/um espectral teatro de reflexos./No centro de um olho me descubro;/não me olha, me olho em seu olhar./Dissipa-se o instante. Sem me mover,/eu fico e me vou: sou uma pausa. (Octávio Paz, Tradução de Maria Teresa Almeida Pina).

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Quetzalcoatl (religião maia pré-colombiana) aparece como uma serpente representativa da terra, vestida de preciosas plumas de quetzal (ave que vive nas florestas da América Central), que por sua vez significa o céu.

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Os maias estabeleceram-se ao norte da península de Yucatán e construíram várias cidades-santuários.

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O seu império estava bem organizado com classes sociais e profissões bem definidas. Possuíam elevado nível científico e cultural. Os progressos na astronomia e matemática foram notáveis. O seu calendário de 365 dias revelou-se mais exacto que o utilizado então na Europa. Além disso, já conheciam o zero. Parte de seus conhecimentos e organização foi adoptada pelos astecas, estabelecidos mais a sul.

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A arquitectura esteve sempre ligada aos ideais religiosos. Colunas, arcos e templos foram erguidos em homenagem às divindades celebradas pela cultura maia. Como todos os povos índios, os maias eram panteístas.

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A necessidade de agradar aos deuses para lhes trazerem a chuva, o sol e o milho, levava-os a rituais onde eram sacrificados animais e em situações especiais pessoas, principalmente inimigos capturados. Acreditavam na vida após a morte e ser sacrificado era uma honra.

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“A cidade maia é um núcleo de população de carácter religioso e administrativo, centro de cerimónias onde não pode faltar a pirâmide, o templo e o palácio, as colunas e salas hipóstilas, jogos de bola, arcos triunfais, observatórios, túmulos e sepulcros e uma arquitectura doméstica à base de cabanas cobertas de palmas e folhas” (López-Portillo)

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A serpente emplumada (Quetzalcoatl) é um símbolo relacionado com uma dualidade de conceitos: a vida e a morte, o animal e o homem, a ave e a serpente. As esculturas representando a cabeça da serpente e do quetzal são facilmente encontradas.

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Na religião de Quetzalcoatl acreditava-se que a alma voltava à terra depois de uma estadia num local de repouso. A construção de todas as estátuas e esculturas não deixa de ser surpreendente pois, feitas em pedra (a maior parte em calcário e material vulcânico), exigiam um material mais duro para serem trabalhadas e estes povos desconheciam o ferro.

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Os maias acreditavam que a terra era plana com quatro cantos, correspondendo aos quatro pontos cardeais e cada uma dessas direcções tinha uma cor. Segundo a sua mitologia, para sustentar o céu em cada canto havia um jaguar, de cor diferente para cada ângulo. Na selva, onde se desenvolveu a cultura maia, o jaguar era um animal importante e a sua representação encontra-se em numerosas ruínas.

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Sou homem: duro pouco /e é enorme a noite./ Mas olho para cima:/as estrelas escrevem. Sem entender compreendo:/Também sou escritura/e neste mesmo instante /alguém me soletra. (Octávio Paz)

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Todos os dias descubro/A espantosa realidade das coisas:/Cada coisa é o que é./Que difícil é dizer isto e dizer/Quanto me alegra e como me basta/Para ser completo existir é suficiente//Tenho escrito muitos poemas./Claro, hei de escrever outros mais./Cada poema meu diz o mesmo,/Cada poema meu é diferente,/Cada coisa é uma maneira distinta de dizer o mesmo//Às vezes olho uma pedra./Não penso que ela sente/Não me empenho em chamá-la irmã./Gosto porque não sente,/Gosto porque não tem parentesco comigo./Outras vezes ouço passar o vento:/Vale a pena haver nascido/Só por ouvir passar o vento//Não sei que pensarão os outros ao lerem isto/Creio que há de ser bom porque o penso sem esforço;/O penso sem pensar que outros me ouvem pensar,/O penso sem pensamento,/O digo como o dizem minhas palavras.//Uma vez me chamaram poeta materialista./E eu me surpreendi: nunca havia pensado/Que pudessem me dar este ou aquele nome./Nem sequer sou poeta: vejo./Se vale o que escrevo, não é valor meu./O valor está aí, em meus versos./…

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…Tudo isto é absolutamente independente de minha vontade.(Octávio Paz, Tradução de Maria Teresa Almeida Pina)

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Das três grandes civilizações ameríndias do momento da conquista, os maias foram os que desenvolveram o sistema de comunicação por sinais mais sofisticado. A escrita maia é presentemente a única mesoamericana já decifrada. Foi chamada hieroglífica pelos exploradores europeus dos séculos XVIII e XIX, os quais, apesar de a não compreenderem, viram, na sua aparência, reminiscências dos hieroglifos egípcios.

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Riviera Maia “O que ingrato me deixa busco amante;/o que amante me segue deixo ingrata; adoro fiel quem meu amor maltrata;/firo quem meu amor busca constante.//O que trato de amor, acho-o diamante,/e sou diamante ao que de amor me trata;/triunfante quero ver o que me mata,/e mato o que quer ver-me triunfante. //Se a este acedo, padece o meu desejo;/se rogo àquele, o pundonor enojo;/de ambos os modos infeliz me vejo.//Assim, prefiro, por menor antojo,/de quem não quero, ser cruel motejo/a, de quem não me queira, vil despojo.” (Sor Juana Inés De La Cruz, Traduzido por Anderson Braga Horta)

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Vestígios do período colonial que persistem em todas as cidades.

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Guadalajara é a capital do Estado de Jalisco e a segunda maior cidade do país.

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Baixo relevo da Praça da Libertação

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Catedral de Guadalajara. É grande a devoção dos mexicanos por Nossa Senhora de Guadalupe, também chamada Virgem de Guadalupe. É considerada pelos católicos Padroeira da Cidade do México, do país, da América Latina e Imperatriz da América. A sua origem está na aparição da Virgem Maria a um pobre índio em 1531.

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Trata-se, pois, de uma Virgem índia que apareceu num local onde, anteriormente existira, para os astecas, um santuário dedicado à deusa da fertilidade. A Conquista espanhola representou a derrota das divindades masculinas e a instauração de um novo reinado divino, que significou o regresso ao útero materno. Para OP, o seu atributo principal é o refúgio dos desamparados…consolo dos pobres, o escudo dos fracos, o amparo dos oprimidos.

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Guadalajara: Plaza de Armas

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Teatro Degollado

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Alejandro Colunga esculturas em bronze na Praça principal

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Centro Cultural Cabañas

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O Centro Cultural Cabañas, como hoje é conhecido, foi concluído em 1845, sob projecto do arquitecto Manuel Tolsá, e cuja construção demorou meio século. Até 1882 foi um asilo para órfãos.

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A importância actual do edifício deve-se, sobretudo, ao facto de albergar numerosos murais de José Clemente Orozco, um dos três grandes pintores muralistas mexicanos. As suas figuras têm uma enorme força. Embora, também ele tenha sido um pintor revolucionário, defendia que a pintura possui imutáveis tradições universais de que não pode separar-se, para não ser uma arte menor folclórica. São várias as influências artísticas que lhe são atribuídas: realismo, arte renascentista italiana e expressionismo. Os outros dois muralistas são Siqueiros e Diego Rivera.

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Diego Rivera. Este último, cuja obra se encontra principalmente na cidade do México e também nos Estados Unidos, procurou mostrar o povo mexicano desde a fase pré-colombiana até à actualidade. Defendia que os murais eram a forma de facilitar a divulgação da pintura junto do povo. Ele próprio revolucionário, foi membro do Partido Comunista Mexicano e do qual haveria de ser expulso. Tratou da Revolução Mexicana nos seus aspectos de sentido social e de denúncia do povo subjugado por uma pequena oligarquia. Mas não ficou manietado pelos modelos do realismo socialista, ele próprio teve uma fase cubista. A sua vida foi atribulada. Foi Rivera quem acolheu Trotsky durante parte do seu exílio no México.

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Diego Rivera

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Diego Rivera

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Emiliano Zapata, por Diego Rivera (MOMA de Nova York). A pintura muralista mexicana aborda, principalmente, a Revolução. Após a deposição e morte do Imperador Maximiliano e a restauração da Republica, segue-se uma longa ditadura (39 anos) de Porfírio Diaz. Neste período são gritantes as diferenças na riqueza, educação e qualidade de vida entre o reduzido núcleo de apoio porfirista e a maioría do povo, condenada à miséria e ignorancia.

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Emiliano Zapata, por Orozco (Guadalajara). Entre 1910 e 1920, apesar do desenvolvimento económico, o país vive uma série de revoltas que procuram derrubar o Presidente e acabar com o proteccionismo aos donos da terra e capitalistas industriais. Entre os líderes estão figuras hoje míticas: Emiliano Zapata e Pancho Villa.

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Após a demissão de Porfírio Diaz, que ainda tentou fraudulentamente ganhar uma eleição contra o representante das forças contestárias, Madero, este é investido Presidente. Mas o entusiasmo dura pouco. Os camponeses reclamavam uma reforma agrária e os fazendeiros queriam sufocar o radicalismo de Zapata. As tensões, agravadas pela revolta dos porfiristas e potenciadas pelos Estados Unidos, conduzem à prisão e assassínio de Madero.

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Frescos de Orozco no Centro Cultural Cabañas

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Um novo governo toma posse, presidido por Victoriano Huerta. As primeiras medidas – proibição da liberdade de imprensa, eliminação dos líderes revolucionários e perseguição dos movimentos de trabalhadores, recebem o apoio dos sectores mais conservadores. No entanto, a oposição organiza-se e rapidamente a insurreição reacende-se em vários locais.

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O novo Presidente, Carranza, está em oposição às ideias tanto de Villa no norte do país, como de Zapata no sul. Estes defendem a restituição de terras e expropriação de latifúndios. Mas, apesar do apoio dos camponeses, os revoltosos tinham reduzida capacidade militar.

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Por outro lado o “exército constitucionalista” de Carranza era profissionalizado e contava com o apoio de operários, mineiros e intelectuais.

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Tentam-se conciliar as políticas do Presidente, Zapata e Villa, mas sem sucesso. A rivalidade, sobretudo entre o Presidente e Villa, é manifesta e o único resultado é a designação de um novo Presidente Interino.

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Villa e Zapata reúnem-se e enfrentam as tropas de Carranza, que tinha o apoio dos Estados Unidos. São derrotados e decidem retirar-se para os respectivos estados. Zapata regressa, mas montam-lhe uma emboscada e é assassinado.

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Por seu lado, Villa reorganiza o seu exército e, embora vencido numa batalha, consegue manter a guerrilha, com a qual realiza incursões aos Estados Unidos (a quem acusava de apoiar Carranza).

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Carranza volta à Presidência e dedica-se a reorganizar o país, ao mesmo tempo que as suas tropas eliminam os focos de rebelião. A Constituição de Querétaro, por ele promulgada, confere amplos poderes ao Presidente, dá ao Governo direitos para confiscar terras aos latifundiários, introduz medidas laborais relativas a salários e duração dos dias de trabalho e tem uma matriz anticlerical.

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No entanto, a decisão de dispersar uma greve ferroviária abana-lhe o prestígio e retira-lhe apoios. Abandonado pelos correlegionários, fica só. Foge da cidade do México, mas não evita o assassinato em 1920.

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Após a morte de Carranza e da presidência interina de Adolfo de la Huerta, Obregón, antigo aliado político de Carranza, é eleito em Novembro desse mesmo ano.

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O ano de 1920 marcará o final da Revolução Mexicana, apesar de algumas erupções golpistas que surgiram até 1934, data do início da presidência de Lázaro Cárdenas, que institucionalizou as reformas iniciadas no processo revolucionário.

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Orozco

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Como definir o povo mexicano? Apesar do desenvolvimento económico e de ter diminuído a percentagem de pobres, aumentou o número de ricos mas ainda mais o número de pobres. Ideias chave, de acordo com OP: o retrato do mexicano pobre é o homem de alpercatas que come milho em vez de usar sapatos e comer pão de trigo, como fazem os mais ricos; a sua pobreza fá-los emigrar para os Estados Unidos, legal ou ilegalmente, onde é tratado com desprezo; é “hispânico” (seja de Cuba, Porto Rico ou Honduras); lá continua a vestir a mesma roupa, exprime-se no seu idioma, tem um sentimento de inferioridade, às vezes com comportamento marginal; é reservado e tímido.

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No México este retrato adapta-se apenas a uma parte da população, principalmente rural ou outros membros das classes mais baixas. O mexicano é crente, gosta de mitos e lendas, desconfiado, triste e sarcástico. Mente por fantasia, por desespero ou para superar uma vida sórdida. Porém, gosta de festas, nelas descarrega alma, são o seu luxo que o compensa da pobreza.

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Mas não é possível falar em termos genéricos dum tipo de ” mexicano” com tão grande mistura de influências e raças e poder económico. A percentagem de índios é variável, consoante a fonte (20%?).

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Os sombreros e os mariachis são meros aspectos folclóricos. A mexicanidade será tudo isso, a diversidade na busca das suas origens (OP). Para a preservar é preciso que o México desenvolvido que segue o modelo americano, não ignore as culturas pré-colombianas e assuma a história da conquista espanhola: são genes da sua nação, tão importantes como o seu passado mais recente.


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Consultados: Los mayas Historia de um povo indómito (Raúl Pérez López-Portillo), O labirinto da solidão (Octávio Paz), La conquista de México (Hugh Thomas), La España Imperial 1469-1716 (J H Elliott), Wikipedia

Os autores agradecem a colaboração da Nacional Filmes Lda.

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