Todos os artigos de Fernando Moreno e Pedro Pinheiro

A Ericeira e as mudanças do Tempo

Esta é uma vila de fervorosos adeptos, que o são desde sempre, que aqui regressam sempre que podem, juntando-se aos que aqui nasceram e aos que aqui fazem a sua vida.

Não pretendemos fazer um roteiro turístico nem qualquer tipo de ensaio – nunca seríamos exaustivos. São cogitações de quem ama este lugar que desperta sentimentos contraditórios que vão do fascínio à tristeza como se fosse uma doença bipolar. Como, aliás, o próprio clima: manhãs cinzentas e brumosas seguidas de tardes ensolaradas.

Consultámos textos antigos e damo-nos conta de como as características geográficas e climáticas ajudaram a surgir aqui uma das figuras mais arreigadas à mitologia portuguesa – o Sebastianismo.

As escarpas da costa, o rugido do mar, a névoa ou nevoeiro denso eram propícios a que um farsante, depois da derrota de Alcácer-Quibir e da ascensão ao trono de Filipe II de Castela, fizesse constar tratar-se do Rei desejado e fosse aclamado “Rei da Ericeira”, quando, afinal, tratar-se-ia de um noviço em crise patriótica. Do levantamento popular que causou, resultaram enforcamento de inocentes, arrombamentos, pilhagens e outros excessos…

Vila piscatória com um porto e Alfândega de relativa importância até ao Séc. XIX, foi passando a local de veraneio e banhos de gente abastada. A sua história estará para sempre ligada ao final da Monarquia em Portugal. As suas cores tradicionais – branco e azul, são as cores da bandeira monárquica

Mesmo aqueles que não apreciam a temperatura fria das águas das praias da Ericeira, aproveitam-se do mar batido ou extasiam-se com o pôr-do-sol, que sempre que o céu está descoberto, a localização da Vila virada a ocidente oferece. Se de dia está calor, as noites são frescas. E a luminosidade das ruas depois da chuva e há pouca gente nas ruas, é das melhores memórias que dela conservamos…instável, não se pode nunca estar seguro do que virá a seguir!

FM

 

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Ericeira fica a cerca de 50 Km de Lisboa, com dois possíveis acessos. Longe vão os tempos heróicos das curvas da Malveira ou a longa viagem pela Granja do Marquês. O acesso hoje está facilitado (auto-estrada ou o IC-19/via mais ou menos rápida), o que a transformou de local-de-veraneio-enquistado-em aldeia-de-pescadores num dormitório de muitas famílias.

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Mas a Ericeira mantém traços que evocam o seu passado. Não vamos discorrer sobre a toponímia da vila, mas lembrar apenas algumas individualidades que no Séc. XIX muito contribuíram para o desenvolvimento da vila: Eduardo Burnay, irmão do banqueiro e genro de Ramalho Ortigão e Francisco José da Silva Ericeira que conseguiu entre outras coisas elevar o porto da vila a Capitania e mandar calcetar muitas das ruas.

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O principal Hotel da Vila, hoje integrado numa cadeia hoteleira, resultou da recuperação do famoso Hotel de Turismo, tem uma localização privilegiada proporcionando um ambiente romântico. O início do romance Equador de Miguel Sousa Tavares que decorre durante o reinado de D. Carlos, passa-se aqui. É aqui que se inicia a saga de Luís Bernardo.

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O antigo Casino esteve em funcionamento entre 1919-27. Depois foi transformado em cinema, que funcionou até aos anos 80. Actualmente é a Casa da Cultura Jaime Lobo e Silva. Com a atribuição deste nome homenageia-se um historiador a quem muito a Ericeira deve no esclarecimento do seu passado.

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O Jogo da Bola é considerado a Sala de Visitas da Ericeira com os seus vários cafés e esplanadas com clientela fidelizada. Outro tipo de comércio nesta praça e nas ruas pedonais adjacentes dão-lhe grande vida. Ao entardecer o chilrear dos pássaros nas copas das árvores sobrepõe-se a todos os ruídos.

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Eis um dos acessos mais importantes ao Jogo da Bola. É a Rua Prudêncio Franco da Trindade, antiga Calçada Real, e que deve ter sido o embrião daquilo que hoje é a vila. O actual topónimo foi um ericeirense de fortes convicções democráticas e republicanas capaz de se recusar a receber o Presidente Sidónio Paes quando este visitou a Ericeira por discordar da sua política, o que lhe terá valido alguns dissabores. A Escola em que leccionava localizava-se no Jogo da Bola onde hoje existe o Centro Comercial.

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Podem encontrar-se hoje os seguintes tipos de habitantes: os “jagozes” (que são os únicos nativos do concelho de Mafra que não são considerados saloios), os moradores que trabalham em Lisboa e que aqui vivem em permanência, aqueles que têm uma segunda casa e vêm à Ericeira passar o fim de semana, os imigrantes (na grande maioria brasileiros) e os veraneantes (muitos atraídos pelo parque de campismo, mas também estrangeiros).

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O Xico foi durante décadas a pastelaria mais chic da Ericeira. No Verão era aí que as senhoras da “melhor sociedade” se encontravam a tomar chá e trocar bisbilhotices. O Xico fechou, como já antes o café Arcadas, mas sempre houve outras pastelarias com clientela fixa. O Central, A Veneza, O Salvador…pontos de encontro sobretudo aos fins-de-semana.

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A Ericeira foi local de passagem de Fenícios e Romanos. Ao seu porto ficou a dever-lhe muito do seu desenvolvimento. Aqui chegavam veleiros transportando mercadorias, nomeadamente cereais, como o testemunham as ruínas dos muitos moinhos na região. As características do porto na época eram diferentes das actuais e permitiam a entrada de grandes veleiros. Foi considerado o 4º mais importante do país. Depois, ao longo do Séc. XIX, foi perdendo importância.

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Mas no início daquele século havia uma Alfândega, por onde se fazia o abastecimento de quase toda a Estrematura. É óbvio que o actual porto de pesca não poderia receber navios de grande calado e essa terá sido também uma das razões para o seu declínio, compensado pela actividade turística.

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A paixão pela Ericeira em muitos casos vem desde a meninice. Aprende-se a gostar das águas revoltas e frias, da neblina matinal, do odor da maresia, do casario caiado do bairro dos pescadores, da gente bronzeada que se vê ao final das tardes de Verão nas esplanadas do Jogo da Bola, do fresco nocturno que aconselha uma camisola quando em Lisboa está um calor de rachar, pelo footing ou corrida pelo passeio à beira-mar.

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Este é o espírito de muitas gerações que aqui passaram as férias escolares, organizaram festas, pequenas revistas teatrais, bailes de chita e que hoje ainda com o brilho da cumplicidade falam daquele tempo. Uma referência incontornável da Ericeira é a sua discoteca: O Ouriço, que dizem ser a 2ª mais antiga do País. No final de Agosto a festa de aniversário recebe centenas de antigos frequentadores que regressam por instantes aquele som, às Ribas, à maresia, ao mar em frente, ao fresco da noite.

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Para muitos homens, hoje de meia-idade, a Ericeira representou a saída dos horrores da EPI de Mafra. Aos cadetes pretendiam impor-lhes em 3 ou 6 meses, conforme os casos, as noções de disciplina militar. A Ericeira significava um tanto o regresso à normalidade, embora travestidos de militares.

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O ritmo de construção foi grande até recentemente, mas, apesar de tudo, não terá atraiçoado alguns padrões típicos: o branco predominante e o azul. Mas é necessário que as novas urbanizações não descaracterizem aquilo que é essencial e vem já descrito sobretudo em vários escritores a partir do Séc. XIX. Os aglomerados populacionais crescem, os hábitos, as culturas e as profissões modificam-se. Mas é indispensável guardar os traços do passado e conservar um urbanismo harmonioso.

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Casas típicas do Norte, no mês de Agosto.

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Casario e a calçada típicas da zona norte.

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Um contraste cromático na tranquilidade do Norte.

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Largo de Santa Marta.

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A Igreja de S. Pedro no Largo de Santa Marta.

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Rua Capitão João Lopes que liga as Ribas às Furnas e que vai desembocar no Largo de Santa Marta.

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Praia do Sul.

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“Não tardará a chegar ao fim /este agosto que te viu passar com a luz, /a teus pés. Somos eternos, dizias. /Eu pensava antes na danação/ da alma ao faltar-lhe o alimento/ que lhe trazias. Agora a cidade vive/ do peso incomensuravelmente morto/ dos dias sem a tua presença. Deixo /a mão correr sobre o papel tentando/ captar o eco de uma palavra,/ um sinal de quem em qualquer parte /cintila, e confia ao vento o segredo/ da nossa tão precária eternidade.” (Eugénio de Andrade)

      Ouça o poema

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“Mar sonoro, mar sem fundo mar sem fim./ A tua beleza aumenta quando estamos sós./E tão fundo intimamente a tua voz7 Segue o mais secreto bailar do meu sonho/ Que momentos há em que eu suponho/ Seres um milagre criado só para mim.” (Sophia de Mello Breyner Andresen)

      Ouça o poema

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Furnas, assim chamadas a este local rochoso com grutas, junto ao mar.

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“São coisas vindas do mar. /Ou doutra estrela./Seixos, ouriços, astros /pequenos e vagabundos,/ sem bússola, /sem norte, os passos incertos. Pouco /se demoram. Como a felicidade./Seguem outra canção, outra bandeira. /Tudo isso os olhos traziam. /Do mar. Ou doutra idade.” (Eugénio de Andrade)

      Ouça o poema

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“Voltar ali onde/ A verde rebentação da vaga/A espuma o nevoeiro o horizonte a praia/ Guardam intacta a impetuosa/ Juventude antiga —/ Mas como sem os amigos/ Sem a partilha o abraço a comunhão/ Respirar o cheiro a alga da maresia/E colher a estrela do mar em minha mão” (Sophia de Mello Breyner Andresen)

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“Não voltarei à fonte dos teus flancos /ao fogo espesso do verão /a escorrer infatigável dos espelhos, não voltarei. //Não voltarei ao leito breve / onde quebrámos uma a uma todas as frágeis/hastes do amor. //Eis o outono: cresce a prumo. /Anoitecidas águas /em febre em fúria em fogo /arrastam-me para o fundo.” (Eugénio de Andrade)

      Ouça o poema

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“Não posso adiar o amor para outro século /não posso /ainda que o grito sufoque na/garganta /ainda que o ódio estale e crepite e arda /sob as montanhas cinzentas /e montanhas cinzentas //Não posso adiar este braço /que é uma arma de dois gumes amor e ódio //Não posso adiar /ainda que a noite pese séculos sobre as costas /e a aurora indecisa demore /não posso adiar para outro século a minha vida /nem o meu amor /nem o meu grito de libertação //Não posso adiar o coração.” (Antonio Ramos Rosa)

      Ouça o poema

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“Quando eu morrer voltarei para buscar/ Os instantes que não vivi junto do mar” (Sophia de Mello Breyner Andren)

      Ouça o poema

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Hoje, se a pesca mantem a sua importância, a vila viu crescer o comércio e o turismo. As casas continuam a ser alugadas aos turistas, apesar dos hotéis e das hospedarias que existem. Nos últimos anos, tornou-se uma rota obrigatória para portugueses e estrangeiros que praticam surf, graça às ondas da Ribeira d’Ilhas ou da praia dos coxos.

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Talvez Luís Bernardo não se tivesse suicidado naqueles distantes 1906, em que se considerava monárquico e liberal, traído por Ann, a única mulher que amou e incapaz de resolver em S. Tomé e Príncipe o conflito de interesses entre os fazendeiros que mantinham os negros trazidos de Angola a trabalhar nas roças de cacau contra a sua vontade e as imposições vindas de Inglaterra que exigiam a Portugal, que de uma vez por todas, pusesse fim à mão-de-obra escrava, que se dizia existir naquelas ilhas. Tal tarefa fora-lhe atribuída pelo Rei D. Carlos. Talvez o fiel Sebastião que insistia em tratá-lo por Patrão, em vez de Doutor, como ele corrigia sem sucesso, talvez suspeitando do que iria acontecer lhe tivesse escondido o revólver e, com isso, tivesse saído de S. Tomé, vivo, para alívio dos colonos, sem glória, sem qualquer vestígio de romantismo, com o resto da vida para digerir aquela passagem solitária pelo Poder e uma traição totalmente inesperada.

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Talvez toda a sua vida pudesse ter sido imaginada no Hotel da Ericeira onde trocou um beijo com Matilde, mas não no Hotel porque à época talvez existisse a casa Ulrich, que o antecedeu. Na Ericeira, onde desde Eça e Ramalho Ortigão se criara o hábito dos veraneios.

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Talvez pudéssemos encontrar Luís Bernardo um século depois, só ligeiramente mais velho, não como ex-Governador, mas como alguém que passara vários anos em Moçambique, no papel de Responsável duma área crítica do Estado, e que na sua juventude vira negros agrilhoados a trabalharem nas ruas, e que depois assistira à tentativa de Marcelo Caetano – como a de D. Carlos, de reparar os excessos dos colonos e estabelecer (tarde demais) um estatuto de igualdade, mas a quem faltou coragem para encontrar o entendimento com os movimentos de libertação, para perceber que o colonialismo tinha os dias contados.

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Entre Luís Bernardo e Ann houve um romance dificultado pelo facto dela ser casada e pelas intrigas que os fazendeiros pretenderam tirar do facto. Após um período de separação, noite dentro, Luís Bernardo aproximou-se da casa. Queria resolver tudo de vez, sair dali, abandonar o cargo, partir com ela. Chegou-se à janela do quarto e ouviu gemidos. Pensou que o marido tivesse regressado mais cedo da pesca, para onde partira. Os gemidos que ele imaginara só ele ter sido capaz de despertar, afinal eram iguais…E quando se aproximou mais, roído de ciúme verificou que não era o marido quem em cima dela a penetrava e lhe arrancava aqueles gemidos…! O destino de certos homens é o de amarem quem não deviam, pensaria, pouco depois

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Um século depois Ann não era já inglesa, tinha uma tez morena, um sorriso lindo, um gosto a água de coco e o seu deslizar evocava Copacabana e Ipanema, e o Sofitel, onde ele estivera hospedado e que fazia a transição entre as duas praias, música de Djavan ou frutos tropicais, manga, goiaba, papaia. Luís Bernardo vivia uma época difícil. Embora pressentindo que qualquer coisa não estava bem, não foi pela calada da noite espreitá-la. Os contornos da traição e da mentira meticulosamente preparada, nunca os conheceu e, talvez, nem quisesse saber. O que imaginou chegava. Com uma humilhação funda para digerir até ao resto da vida e apenas com o Hotel como testemunha, decidiu-se a continuar. Porque o mar tem marés e, periodicamente, algumas são vivas.

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O pôr do sol. o crepúsculo, o início da noite.

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Em 1 de Fevereiro de 1908 (portanto, dois anos após a estória contada), a Família Real que regressava de Vila Viçosa, é vítima de uma emboscada morrendo o Rei e o Príncípe Herdeiro. D. Manuel, com 18 anos é proclamado Rei. Mas, o Partido Republicano tendo ou não estado por detrás do atentado, viria a assumir o Poder a 5 de Outubro de 1910. O Rei D. Manuel parte para o exílio, tomando um bote na Praia dos Pescadores, depois de atravessar parte da vila, conforme se pode ler. A Ericeira era palco dum facto histórico.

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“Estive sempre sentado nesta pedra/ escutando, por assim dizer, o silêncio/ Ou no lago cair um fiozinho de água./ O lago é o tanque daquela idade/ em que não tinha o coração/ magoado. (Porque o amor, perdoa dizê-lo,/ dói tanto! Todo o amor. Até o nosso,/ tão feito de privação.) Estou onde/ sempre estive: à beira de ser água./ Envelhecendo no rumor da bica/ por onde corre apenas o silêncio.” (Eugénio de Andrade)

      Ouça o poema

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Rua Dr. Eduardo Burnay, hoje uma artéria pedonal

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O “Forte de Milreu” ergue-se de forma destacada junto à orla marítima, sobre uma pequena enseada localizada a Norte da Ericeira, acompanhando o desnível observado no terreno.

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Praia dos Pescadores

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Pormenor da Praia dos pescadores

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Um acesso à praia

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Entrada do Parque de Santa Marta. No Séc. XIX havia aqui como nas Furnas fontes termais.

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Esta fonte, situada nas traseiras do antigo Casino, exibe um painel de azulejos, no qual está representado um tritão que numa das mãos segura um ouriço-do-mar e na outra segura um búzio. O ouriço-do-mar constitui uma alusão à Ericeira (ouriceira); o búzio foi, no passado, um fiel companheiro dos marinheiros durante a faina da pesca, tendo servido como instrumento sonoro de aviso.

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Pelourinho em estilo manuelino. A sua vida foi atribulada pois foi vandalizado e depois escondido. Provavelmente construído no Séc. XVIII só em 1924 foi “inaugurado” no local onde hoje se encontra e se presume possa ter sido o original.

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Este Cruzeiro, inaugurado em 1940, comemora várias efemérides, umas ligadas estritamente à Ericeira e outras ao País.

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Ermida de S. Sebastião

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Vista da Praia do Sul, tirada do Hotel

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Edifício no Largo das Ribas

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A gastronomia é rica e variada. São famosos os mariscos, peixes, carnes. Alguns restaurantes: A Brasa na Gruta; A Panela dos Petiscos; A Parreirinha; Bar do Algodio; Byte; Dom Carlos; Esplanada Furnas; Estrela do Mar; Gafanhoto; Golfinho Azul; Mar Azul; Marisqueira César; Marisqueira Furnas; Onda dos Navegantes; Pátio dos Marialvas; Prim; Tik-Tak; Toca do Caboz; Viveiros do Atlântico.

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Que dúvida Que dívida Que dádiva/ Que duvidávida afinal a vida (David Mourão Ferreira)

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Foram consultados: Toponímia Histórica da Vila da Ericeira, Leandro Miguel dos Santos; Ericeira Um lugar na Literatura, Sebastião Diniz; A Ericeira vista por quatro gerações, Franco Caiado; Ericeira Um mar de tradições, André Pipa.

Os autores agradecem a colaboração de Nacional Filmes Lda.

 

Ouça os poemas:

e1

      Ramalho Ortigão
(1836-1915): A Ericeira in As Praias de Portugal

e2

      Rocha Martins (1879-1952): O Rei da Ericeira
in o Fantasma de D. Sebastião

Açores: gente (in)feliz sem lágrimas?

Formada por vulcões impiedosos, há um grupo de ilhas habitadas por gente simples, festiva, singular, triste com um sorriso, e feliz com lágrimas. Essas ilhas são os Açores.

Sabemos dos Açores ser um arquipélago localizado no meio do oceano Atlântico. Sabemos ser composto por nove belas ilhas e alguns ilhéus. Sabemos até que neles nasceram grandes vultos da cultura portuguesa, como Vitorino Nemésio, Natália Correia, entre outros.

Torna-se então importante conhecer o Homem açoriano: a sua história, que começou no século XV, a sua essência e a sua experiência/fruto, algo a que Nemésio em 1932 chamou de açorianidade.

Açorianidade é a alma do ser açoriano, que emerge na sua obra artística e revela-se no seu ser. Exprime a génese da alma de um ser-se açoriano que, sujeito a condicionantes de ordem geográfica, ao vulcanismo das ilhas, limitações económicas e à “insularidade”, criou respostas às suas ambições e combateu as adversidades que lhe foram sendo criadas. Espelha também as suas manifestações culturais e religiosas populares, a sua idiossincrasia, e os falares tão distintos de ilha para ilha, tudo isso conferindo-lhe identidade.

Vendo o mar a toda à sua volta, o açoriano fez-se a ele. No início do século XX o carácter aventureiro do açoriano levou-o a descobrir novas paragens por mar. O Barco e o Sonho, novela de Manuel Ferreira, relata a aventura de um desses aventureiros que, vendo-se fechado na sua ilha, lançou-se ao mar num pequeno barco a caminho do novo mundo. De facto o açoriano foi e espalhou-se por todo o continente americano. Os Estados Unidos, Canadá e Brasil receberam uma grande quantidade de açorianos à procura de melhores condições de vida. Foram e levaram consigo a sua cultura, que enraizaram e disseminaram pelas terras que os acolheram. Exemplo é a cidade de Florianópolis, no estado de Santa Catarina, Brasil, que constitui um enorme foco cultural açoriano. Fall River, nos Estados Unidos da América, é outra cidade maioritariamente açoriana, onde podemos assistir anualmente às tradições culturais e religiosas, como os impérios do Espírito Santo por exemplo.

Vamos então falar dos Açores…
PP

 

1

Não nos interessa discutir a descoberta ou achamento dos Açores. Se foi, de facto Gonçalo Velho Cabral ou se já havia conhecimento anterior de algumas das ilhas quando do regresso das naus das ilhas Canárias. Controvérsias aparte, sabe-se que Gonçalo Velho chegou a Santa Maria em 1431 e que uma carta do Infante Dom Henrique dá conta ao seu irmão D. Pedro da exploração do território, em 1439

2

Não vamos especular sobre a lenda da Atlântida submersa, contada por Platão. Ele relatava que essa catástrofe fora um castigo dos deuses, pelo facto de nas populações originais ter nascido o orgulho, a vaidade, o luxo desnecessário, a corrupção e o desrespeito para com os deuses. Do território submerso apenas as maiores elevações escaparam e constituiriam o arquipélago. São lendas como existem imensas em todos os Açores.

3

Não tenho a natureza humana em muito boa conta (FM). De uma maneira geral, perversa, egoísta, interesseira, desleal. Mas aqui, como noutros locais, que eu não conheço, aqui nos Açores, eu consigo reconciliar-me com o género humano. Talvez a paisagem bucólica de hortensias ajude. Mas são principalmente as pessoas, as pessoas lindas, generosas, altruístas que, fora dos Açores, tão raramente encontramos, que fazem destas ilhas um paraíso. Um dos poucos. Que o progresso está a destruir…

4

Eis-nos em São Miguel. E no seu ex-libris: a Lagoa das Sete Cidades. Chamada Vista do Rei, numa alusão à visita de Dom Carlos em 1901. E o início do deslumbramento

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“Eu vi o Amor — mas nos seus olhos baços /Nada sorria já: só fixo e lento Morava agora ali um pensamento /De dor sem trégua e de íntimos/ cansaços. //Pairava, como espectro, nos espaços, /Todo envolto n’um nimbo pardacento… /Na atitude convulsa do tormento, /Torcia e retorcia os magros braços… //E arrancava das asas destroçadas //A uma e uma as penas maculadas, /Soltando a espaços um soluço fundo, //Soluço de ódio e raiva impenitentes… /E do fantasma as lágrimas ardentes /Caíam lentamente sobre o mundo!” (Antero de Quental)

      Oiça o poema

6

“Glorifiquei-te no eterno. /Eterno dentro de mim /fora de mim perecível. /Para que desses um sentido /a uma sede indefinível. //Para que desses um nome /à exactidão do instante / do fruto que cai na terra /sempre perpendicular /à humidade onde fica. //E o que acontece durante /na rapidez da descida /é a explicação da vida” (Natália Correia)

      Oiça o poema

7

“Harmonioso vulto que em mim se dilui. /Tu és o poema /e és a origem donde ele flui. /Intuito de ter. Intuito de amor /não compreendido. /Fica assim amor. Fica assim intuito. /Prometido.” (Natália Correia)

      Oiça o poema

8

“Príncipe secreto da aventura /em meus olhos um dia começada e finita. Onda de amargura numa água tranquila. /Flor insegura enlaçada no vento que a suporta. /Pássaro esquivo em meus ombros de aragem /reacendendo em cadência e em passagem /a lua que trazia e que apagou. “(Natália Correia)

9

“Dá-me a tua mão por cima das horas. /Quero-te conciso. /Adão depois do paraíso /errando mais nítido à distância /onde te exalto porque te /demoras.” (Natália Correia)

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“Toma o meu corpo transparente /no que ultrapassa tua exigência/ taciturna / Dou-me arrepiando em tua face /uma aragem nocturna. //Vem contemplar nos meus olhos de vidente //a morte que procuras nos braços que te possuem para além de ter-te. //Toma-me nesta pureza com ângulos de tragédia. /Fica naquele gosto a sangue /que tem por/ vezes a boca da inocência.” (Natália Correia)

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“Aumentámos a vida com palavras /água a correr num fundo tão vazio. /As vidas são histórias aumentadas. /Há que ser rio. //Passámos tanta vez /naquela estrada /talvez a curva onde se ilude o mundo. /O amor é ser-se dono e não ter nada. /Mas pede tudo.” (Natália Correia)

      Oiça o poema

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“Tu pedes-me a noção de ser concreta /num sorriso num gesto no que abstrai /a minha exactidão em estar repleta /do que mais fica quando de mim vai. //Tu pedes-me uma parcela de certeza /um desmentido do meu ser virtual /livre no resultado de pureza /da soma do meu bem e do meu mal. /(Deixa-me assim ficar. E tu comigo /sem tempo na viagem de/ entender /o que persigo quando te persigo. //Deixa-me assim ficar no que consente /a minha alma no gosto de reter-te /essencial. Onde quer que te invente.” (Natália Correia)

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Lagoa do Fogo

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“Eis-me sem explicações /crucificada em amor: /a boca o fruto e o sabor. ” (Natália Correia)

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“Pusemos tanto azul nessa distância /ancorada em incerta claridade…” (Natália Correia)

      Oiça o poema

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“Vida que às costas me levas/porque não dás um corpo às tuas trevas?/Porque não dás um som àquela voz/que quer rasgar o teu silêncio em nós?/Porque não dás à pálpebra que pede/aquele olhar que em ti se perde?/Porque não dás vestidos à nudez/que só tu vês?” (Natália Correia)

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“Espáduas brancas palpitantes:/asas no exílio dum corpo./Os braços calhas cintilantes/para o comboio da alma./E os olhos emigrantes/ no navio da pálpebra/ encalhado em renúncia ou cobardia./ Por vezes fêmea. Por vezes monja./Conforme a noite. Conforme o dia./ Molusco. Esponja embebida num filtro de magia./Aranha de ouro/ presa na teia dos seus/ ardis./E aos pés um coração de louça/ quebrado em jogos infantis.” (Natália Correia)

      Oiça o poema

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Natália Correia (1923-1993), aqui num quadro de Artur Bual, foi uma intelectual, poeta e activista social de origem açoriana, autora de extensa e variada obra literária. Foi também Deputada à Assembleia da República. A obra de Natália Correia alberga géneros variados, desde a poesia ao romance, teatro e ensaio. Foi figura central das tertúlias que reuniam em Lisboa nomes importantes da cultura portuguesa nas décadas de 1950 e 1960, no seu Botequim.

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Mosteiros (SM):… Atirar pérola a porco?/Não me queimo na parábola./Em mãos que brincam com o fogo/é que eu não ponho a espada….(Natália Correia)

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…Há um cipreste que se dissimula /No dia que nos leva pela mão./E entre brasas de sol que ardem na rua /Uma pomba que faz de coração. … (Natália Correia)

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A Igreja da Vila das Sete Cidades

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Este esplendor que nos torna mais puros (será?)

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“Voar é a principal vocação dos pássaros e anjos. Mas a humanidade está infelizmente sempre pronta a ignorar esse apelo” (João de Melo)

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E eis-nos noutra lagoa: a das Furnas

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Terra Nostra, junto à lagoa das Furnas que tem a particularidade de ser de água férrea e quente

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Os campos de fumarolas, como o das Furnas, são áreas de concentração de nascentes termais e outras manifestações geotérmicas, em geral associadas a zonas onde rochas ígneas quentes se encontram a pequena profundidade

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Aqui nas Furnas aproveita-se o calor vulcânico, enterrando-se panelas com os ingredientes do cozido e retirando-se horas depois já cozinhado. Tem um sabor diferente e é típico de São Miguel

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Furnas (jardim)

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Mais um pormenor dos jardins do Terra Nostra

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“…Experimentai confiar-vos de novo à mulher. Ela saberá sempre, de vós, tudo quanto o destino ainda não disse” (João de Melo)

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Ponta Delgada à noite

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As Portas da Cidade de Ponta Delgada. Foi elevada a cidade por Carta Régia (depois de Angra)

Antero 2

Monumento a Antero de Quental, no Jardim que tem o seu nome, também conhecido por Jardim dos Namorados.

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Ouve tu, meu cansado coração, /O que te diz a voz da natureza:/ – «Mais te valera, nu e sem defesa,/ Ter nascido em aspérrima solidão,// Ter gemido, ainda infante, sobre o chão/ Frio e cruel da mais cruel deveza,/ Do que embalar-te a Fada da Beleza,/ Como embalou, no berço da Ilusão!// Mais valera à tua alma visionária,/ Silenciosa e triste ter passado/ Por entre o mundo hostil e a turba vária,// (Sem ver uma só flor das mil, que amaste,)/ Com ódio e raiva e dor – que ter sonhado/ Os sonhos ideais que tu sonhaste!» (Antero de Quental)

      Oiça o poema

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Antero de Quental (1842-1891): poeta, filósofo, político. Natural de Ponta Delgada, aqui se suicidou com dois tiros na boca, nesta praça. De Antero disse Eça de Queiroz, que o conheceu em Coimbra, ser um génio e um santo.

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Uma dúvida que sempre me assaltou foi saber até que ponto era específica a cultura açoreana. Aqui uma escultura de lava, tão frequente em Ponta Delgada, onde se encontram verdadeiros monumentos rendilhados em rocha vulcânica ao lado das construções mais simples

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Pormenor das Janelas na Casa do Museu (in geocrusoe.blogspot.com). O estilo Manuelino que vem do Gótico tardio não mascara a estrutura dos edifícios ao mantê-los livres de ornamentação desnecessária: as paredes exteriores ou interiores são geralmente nuas, concentrando-se a decoração em determinados elementos estruturais, como janelas, portais, tectos, abóbadas, pilares e colunas, frisos, cornijas e contrafortes, além de túmulos, fontes, cruzeiros, etc. Nos Açores aquilo que é específico é a utilização da lava para a construção dessas ornamentações

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Outra janela com a utilização dos mesmos materiais

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Igreja Matriz de Ponta Delgada, onde são bem patentes as ornamentações em lava.

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Caldeira Velha

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Ilhéu defronte de Vila Franca do Campo em São Miguel. Vila Franca foi a primeira capital da ilha, no século XVI

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Ilhéu de Vila Franca do Campo que abriga, no interior, o que deverá ter sido uma pequena caldeira e é, hoje, uma autêntica piscina natural em forma de concha.

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Angra do Heroismo com o Monte Brasil.Inicialmente, foi povoada pelo flamengo Jácomo de Bruges, que a baptizou de Angra, que significa pequena baía. Em 1474, João Vaz Corte-Real foi nomeado primeiro-donatário da capitania de Angra. Paulo Gama faleceu aqui, em 1499, quando regressava com o seu irmão Vasco da Gama da viagem da descoberta do caminho marítimo para a Índia.

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A minha casa é concha. Como os bichos/Segreguei-a de mim com paciência:/Fechada de marés, a sonhos e a lixos,//O horto e os muros só areia e ausência./Minha casa sou eu e os meus caprichos./O orgulho carregado de inocência/Se às vezes dá uma varanda, vence-a/O sal que os santos esboroou nos nichos.//E telhadosa de vidro, e escadarias/Frágeis, cobertas de hera, oh bronze falso!/Lareira aberta pelo vento, as salas frias.//A minha casa… Mas é outra a história:/Sou eu ao vento e à chuva, aqui descalço,/Sentado numa pedra de memória. (Vitorino Nemésio)

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Agora um pouco de História: com a crise sucessória de 1580, após o desastre de Alcácer-Quibir e a morte do Cardeal D. Henrique, foi diferente o comportamento das gentes de São Miguel e Terceira. Enquanto as primeiros se inclinaram para as pretensões de Filipe II de Castela, as da Terceira defenderam as de D. António, Prior do Crato.

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No entanto as forças de D. Antonio foram derrotadas e esse desfecho conhecido em Angra, fez acelerar ainda os preparativos bélicos, já que o ataque castelhano parecia agora iminente.

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Na ilha de São Miguel, as câmaras, reunidas para deliberarem a posição a tomar, resolvem escrever a Filipe II comunicando-lhe a sua fidelidade. Esta adesão, a que se seguiu a da ilha de Santa Maria, deixou apenas as ilhas dos grupos central e ocidental do arquipélago como bastiões do apoio ao Prior do Crato.

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O partido castelhano tentou a todo o custo uma solução negociada que permitisse a rendição dos açorianos da Terceira, capitaneados por Ciprião de Figueiredo, que foi liminarmente rejeitada

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Perdida a esperança de uma solução negociada, Filipe II resolve recorrer à força e envia à Terceira uma esquadra de 10 navios, 8 dos quais galeões de alto bordo, com 1000 homens de guerra, com o objectivo de submeter a ilha. Depois de bordejar as costas da Terceira na Baía da Salga, próximo da vila de São Sebastião, a armada castelhana inicia o desembarque. Apanhados de surpresa, os defensores daquela zona da ilha recorrem à largada de bovinos nos caminhos por onde as forças castelhanas pretendiam penetrar em terra, atrasando-as o suficiente para permitir o reagrupar dos defensores da ilha. Da batalha que se seguiu, a batalha da Salga, resultou uma humilhante derrota para a força invasora, obrigada a retirar com centenas de mortos, a maioria por afogamento no reembarque precipitado

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Praia da Vitória: Outros acontecimentos históricos relevantes: No século XIX a Ilha Terceira foi palco das lutas liberais em defesa de D. Pedro IV e aí D. Maria II foi aclamada rainha. De 1828 a 1829, Angra do Heroísmo foi a capital constitucional do reino. Em 1832, a armada partiu em direcção ao Mindelo, proclamando a Carta Constitucional. Em 1837 foi acrescentado Vitória ao nome da vila, em memória da resistência e vitória dos liberais açorianos sobre os absolutistas em 1829.

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Biscoitos: aqui se cultiva uma vinha que é das mais afamadas dos Açores. Mas na gastronomia terceirense o maior destaque vai para a alcatra e entre os doces as famosas cornucópias.

biscoitos

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Vitorino Nemésio: para o grande público a sua popularidade deveu-se à sua extraordinária capacidade de comunicação. Com um leve sotaque açoreano começava a discorrer sobre um assunto, mas depois era levado pela memória de outras vivências e vinha uma enxurrada de histórias fascinantes. Foi o autor de um grande romance “Mau tempo no canal”, poeta e Professor na Faculdade de Letras de Lisboa. Sobre o enredo de Mau tempo no canal decorre à volta de um namoro entre João Garcia (filho de uma família nova-rica sem títulos) e uma menina de seu nome Margarida Clark Dulmo (originária de uma família respeitável, aristocrática, com origens estrangeiras novas, mas em quase falência), cujas famílias estão afastadas por antigas questões e ressentimentos. Este é o ponto de partida mas o livro vai muito mais longe…

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…Nemésio retrata-nos as relações entre as famílias mais ou menos abastadas, com as suas rivalidades, cumplicidades ou quezílias, casamentos de interesse, casando sobrinha com tio ou com um filho de Barão, da rede de influências que se fecha para prejudicar uma família que em tempos tentou desgraçar outra. O modo como os baleeiros são descritos, gente simples e boa, é apaixonante. Os afectos, as paixões e os amores surgem-nos inteiros, frescos, intensos. Entramos no coração de uma menina dividida entre o amor original de um rapaz de família indesejada e o dever de alianças com famílias de bem. As hesitações e a personalidade são-nos aqui magistralmente descritas.

Vitorino Nemésio2

Busto de Nemésio em Praia da Vitória

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Numa vista panorâmica da Terceira não nos damos conta dos estragos causados pelo grande terramotom de 1980. No entanto outros grandes sismos tinham já ocorrido, como a Caída da Praia (1614 e 1841), o Mandado de Deus (1757). Mas além destes é grande a actividade sísmica e vulcânica da zona

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“Chamei em volta do meu frio leito / As memórias melhores de outra idade, Formas vagas, que às noites, com piedade, /Se inclinam, a espreitar,/sobre o meu peito… //E disse-lhes: No mundo imenso e estreito Valia a pena, acaso, em ansiedade /Ter nascido? Dizei-mo com verdade, memórias que eu ao seio estreito. //Mas elas perturbaram-se – coitadas! /E empalideceram, contristadas, /Ainda a mais feliz, a mais serena… //E cada uma delas, lentamente, /Com um sorriso mórbido, pungente, /Me respondeu: – Não, não valia a pena!” (Antero de Quental)

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Império do Espírito Santo: uma de várias capelas populares, onde se celebram as festas do Espírito Santo

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Santa Maria: freguesia de Almagreira

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Ilha do Pico

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Baleia junto ao Pico

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Museu dos baleeiros na vila das Lages. Uma imagem das Lages. Após a Segunda Guerra Mundial, quando a baleação iniciava a sua recuperação após o abrandamento forçado pelo conflito, a comunidade internacional decidiu que a caça sem regras não poderia continuar sob pena de extinção da maioria das espécies de cetáceos. Assim, em 1946 a recém fundada ONU, aprovou uma resolução criando a Convenção Internacional para a Regulação da Actividade Baleeira

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Uma imagem das Lages do Pico. A partir de 1992 tem sido pedida a concessão de quotas para a exploração comercial de algumas espécies, o que tem sido recusado. Apenas alguns países nomeadamente a Noruega e o Japão recomeçaram essa actividade, a qual nada tem a ver a ver com a caça tradicional dos marinheiros açoreanos de há dezenas de anos atrás. Trata-se, em alguns casos, de autêntico genocídio

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Pesca de atum

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Até no carro te canto, /Fala a fala, seio a seio, /Espantado de um encanto Que mais parece receio //De te perder à partida /Pra te ganhar à chegada, Pois tu és a minha vida /Na ida e volta arriscada. //Vai o Godinho ao volante /Com seu ar de conde antigo /Que bem sabe o amor constante Que me aparelha contigo. //Poupado na gasolina, /Discreto na confidência, /Navegador à bolina /Dos rumos da nossa ausência. //Leva-me à Embaixada, ao almoço: /Travou, mas não sei que tenho: /Um resto de ardor de moço /Contigo no meu canhenho.” (Vitorino Nemésio)

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Neste navio podem viver-se das experiências mais extraordinárias da nossa vida: se o mar se rebelar – o que acontece com frequência, a maioria dos passageiros que vai do Pico para o Faial ou vice-versa fica pálida, enjoada e o resto é fácil de imaginar…

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O Porto da Horta foi um importante entreposto nas ligações marítimas e aéreas (hidroaviões) e por cabo submarino no Atlântico Norte, mantendo uma actividade relevante como porto comercial e local de escala de iates nas travessias entre o continente americano e a Europa. A ilha é localmente conhecida por ilha Azul

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Marina da Horta. Era aqui que, há décadas, os iates que atravessavam o Atlântico, muitas vezes após violentas tempestades vinham acolher-se. Era uma espécie de “porto de abrigo”. É curioso verificar os graffitti que perduram em toda a marina e assinalam a gratidão dos marinheiros

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Eis um aspecto dessas inscrições que estão espalhadas em quase toda a marina

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Peter’s bar ou Café Sport : uma legenda do Faial. E legenda porque os marinheiros quando chegavam queriam, não uma genebra, mas um Gin tonico. Devo acrescentar que bebi lá um e de gin…tinha pouco! Não sei se o Mário-Henrique Leiria (autor dos Contos do Gin-Tonic) alguma vez por lá andou… Durante a Expo abriram uma sucursal mas também me não convenceu. Bom, bom, eram as peças esculpidas que se podiam ver e que constituiam um verdadeiro museu

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Graciosa (vista aérea)

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Corvo (a ilha mais pequena do arquipélago)

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Flores: Poço da Alagoinha

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S. Jorge. Não é o fim de uma viagem turística. É o início dum mergulho na alma de um povo. Talvez alegre, talvez triste? Se a lenda da Atlântida  fosse verdadeira, estes ilhéus seriam naturalmente felizes porque assim teriam sido os seus ancestrais, mas talvez tristes por terem desperdiçado o paraíso. Ou tão simplemente os açoreanos tragam a melancolia portuguesa acrescida pela solidão do mar…

 

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